domingo, dezembro 9

30 de Novembro de 2012

I

Quero fugir
Deste planeta,
Quero fugir
E me encontrar,
Quero fugir
Como quem morreu.

Quero fugir:
Serei fantasma
Taciturno,
Tecido das sombras
Do vento
(E a única
Gaiola que há
É o medo).

Quero fugir, e quando quero,
Fujo: e quando eu fugir
Não me verão
Senão na saudade
Que causarei
Como um defunto
Causa.

terça-feira, dezembro 4

Ode aos Pastos

I

A vida,
Quando me encontro
Na natureza brutal do campo,
É tão mais simples, oh, cheiro
De bosta e pasto quente, oh,
Infindáveis moscas, mutucas,
Mosquitos e rãs, mormaço violento
Na barra do córrego, lama, grama,
Polens voadores que pousam em nós:

A vida,
Quando me encontro
Na natureza solitária,
Na natureza intocada,
Na natureza apática,
É tão mais simples...

A vida
Não passa
De repetição
Na natureza
Brutal do campo
- E a flor que colhi
Voltará à terra macia
Quando
Teus cabelos
Novamente
Não quiserem mais
Os meus regalos.


II

E assim eu vi a vida,
No despreparo da minha sabedoria,
Perdido entre árvores hostis,
Embrenhado em matos que arranham
A pele submissa, assim eu vi a vida:

Um peixe agonizando em minhas mãos,
Meus pés dentro do córrego
E toda a falta de coragem
Para devolver
Aquilo que à água
Pertence.

Um peixe apenas,
Um peixe que poderia
Ser eu, morrendo, sem ar,
Olhos estáticos de criatura
Inocente em minhas mãos...

E todos
Ao meu redor
- Inclusa tu, flores
Como uma coroa a te decorar -
Que nunca entenderiam
O que, exatamente, eu senti
Naquele momento
Eterno.

sexta-feira, novembro 30

10.10.2012

I

Numa manhã
Longa de chuva,
É engraçado e constrangedor
Perceber como se perdem embrenhados
Os pensamentos brisas e resquícios
De Primavera no bosque antagônico
Agora outonizado das desilusões
Amorosas que mais causam saudade...

E o que é a saudade
Para que eu a pense,
Se todas as sensações
Que tenho são ausências
E transtornos rudes
Das vezes em que tentei amar,
Mas só me destruí?

E o que é o amor
Para que eu o pense,
Se tudo o que amamos são imagens
E toda luz
Evanesce?

Está em mim,
Porém, ser curioso
Para com tudo
Que há...


II

Eu sofro,
Profundamente,
A senda do bardo
Desiludido com a vida
- E vou,
Como ele,
Buscar o único conforto
Que é plausível
Na solidão
Da minha quimera:
Eu vou fugir
Pela janela dos fundos,
Escalando trepadeiras,
Sem beijar à face nenhuma
Adormecida na minha leve
Despedida...

E de mim
Só restará uma vaga
Sensação, por onde
Eu passar, de que o silêncio
Tenta dizer
Algo.

domingo, outubro 28

19.10.2012

I

Sentando sobre o dia que tende
Tristemente entre o cinza e o azul
E a luz de um sol escondido de dor,
Imagino minhas pequenas razões,
Minhas ideias porcas e visões-limites
Que ditam um mundo como me convém
E me deixam feliz por ser e ser simplesmente.

Não, por favor, não!
Não queiram me convencer
Que não devo me sentir bem,
Que não posso me sentir bem,
Que sou a borda da matéria
Entre o que é realidade e o que
É o fim de tudo. Não queiram
Me comprar com populismos,
Me banalizar a alma sensível
Com barulhos e cores e festas
Infindas - onde anda a razão
Inocente e eficaz que esse mundo
Raso costumava ter? Eu sou um rio
De margens selvagens, águas turvas
Intransponíveis - Eu sou um rio vasto
E corro na direção que me apetece
E não há o que me detenha a vontade.

II

Eu sou um filho
Da natureza e não
Quero ser um filho
Da natureza, pois
Me sinto sozinho...
Mas como pode
Haver solidão viva
No útero materno?

Eu sou então, enegrecido,
Um carvalho de raízes tão fortes
Que se expõe como artérias no chão,
Um carvalho de tronco tão robusto
Que me imagino de prata e ferro
- E resisto a solidão do campo residente,
E resisto a solidão do sol e da chuva
E resisto a mesmice que é existir em tédio
Total e repetições e desilusões de não poder
Esperar nem mais um segundo: sou também
Uma chuva forte que deseja cair profunda
Como um orgasmo de águas e desejos
De tempestades, o sabor dos ventos altivos,
A cor poderosa de todos os trovões possíveis.

Eu sou um filho da natureza, uma imperfeição
Perfeita e cheia de ímpetos e sonhos de mim mesmo:
Onde esse egoísmo chamado destino inevitável
Vai me levar?

sábado, outubro 27

Ode tristíssimo de um dia chuvoso

I

Recoberto
De máscaras de prazer,
Entranhado, na verdade,
Em uma catatonia sentimental
Sem sentido, fujo do meu lar
Em uma tarde cinzenta
Galopando cavalos de vento.
O que é isso que me toma
E me força a olhar o chão enquanto
Ando nas ruas de pessoas apressadas?
O que é isso?
Não faço a barba por dias
E me refugio da dor no fato
De haverem cheiros e pelos
De humano em meu corpo:
Eu estou mudando de pele?


II

Encontro abrigo contra o clima
De mim mesmo em uma construção
Abandonada qualquer, e logo começa
A chover. Tenho fome. Uso drogas
De tristeza. Eu sou um abandonado
Qualquer: a quem recorrerei, senão
Ao deus que sou, quando o dilúvio começar?


III

A água que desceu
Do céu
Não desceu
Como água
Simplesmente:
Era um corpo
Único, horizonte
E firmamento,
Uma tonelada
De lágrimas
De deuses
Esquecidos.

Das abas do telhado
Do meu refúgio inacabado
Tamborilam gotas mais lentas
E mais grossas. Tenho sono.
Tenho sono e fome e a umidade
Parece me queimar. Fumo mais,
Esperançoso de acordar, mas a fumaça
Só sabe me fazer chorar os olhos.
Eu durmo, triste, e dormirei
Até alguma goteira
Me rachar a cabeça.


IV

Penso
Ter sonhado
Alguma vez
Com algo de pureza
Palpável,
Com perfumes apaziguadores
E estéticas completamente
Harmoniosas, mas quando tudo
Vai bem surge a dor como uma faca
Preta cravada no estômago.

Eu sou um tarado
Completamente desesperado
E nervoso e onipotente
Devorador do meu próprio
Sêmen - eu sou Cronos
Aborrecido em sua prisão
De memórias imortais.


V

Quando surgir a luz
Tudo estará mais claro,
Mas nada será óbvio:
É função da chuva
Limpar as mentes,
É função do sol
Cegar os olhos.

E a verdadeira
Ilusão, quem é
Que revela?

Perdi a vida
Procurando formas
Em nuvens.

quinta-feira, agosto 16

Não quero, meus amigos, cair na armadilha
Da repetição, da tecla inutilmente martelada,
Do esforço honesto, bruto e vão, mas acontece
Que é preciso dar ouvidos: eu sou tudo, eu sou!

Eu sou o sol enorme resplandecendo calorosamente,
Eu sou o poder emanado de todas as estrelas majestosas!
Eu sou o enterro do empresário preocupado, a festa
Garbosa de uma viúva que voltou a ter alegria,
O menino inocente que se masturba e se consome
Pensando em amores lhe foram ensinados
E que são falsos. Eu sou a terra se movendo brusca,
Eu sou o vulcão expelindo o fogo, mas não sou feito
De ódio, não, o ódio é ignorância, e ignorância
É imperfeição. Eu sou o perfeito, o diminuto
Enorme, o taxista que deseja retornar ao lar
Para se embriagar em tristezas destiladas.

Eu sou tudo, eu sou!
Eu sou tu, meu amigo,
E tu me és! Nossa consciência
É uma, como é um os milhões de mundos
Magníficos e exuberantes que criamos
Para nós mesmos! Eu sou a música, tu és a música,
Tudo é a música! Eu sou a sombra que apazígua
E guarda mistérios que um dia serão conhecidos,
Porque também os sou - o grão, a água, a ave simplória,
O solo germinando tudo o que um dia se chamará vida:
Eu sou!

Queiramos nós, amigos, o poder deste verbo sempre
Presente e completamente compreendido, pois somos
Oniscientes e espetaculares e poderosos e possíveis!
Queiramos o poder de querer, sobre todas as barreiras
Que nós mesmos tentamos nos impor! Eu sou!

Eu sou,
E não há
O que fuja
Dos meus olhos
Que veem a tudo.

terça-feira, agosto 14

Que poderoso
É esse sentimento
Que tenho trazido dentro
De mim desde o momento
Em que acordei para a vida que há,
Para a vida que sou - porque descobri
Que sou o mundo, e sou o mundo e o criador
Do mundo, porque descobri que o mundo não existe
Sem que eu exista, e que todas as coisas são a mesma coisa.

Que poderoso esse sentimento
Que é gosto de vinho e cheiro de mar,
E que é olhar as cores da existência, olhar o sol
Trespassando as nuvens como uma espada impiedosa
E ver que o céu está sangrando o meu sangue e a minha dor!
Que poderoso esse sentimento que é amor completo, que é riso
De amigos compartilhando bebidas e fumaças e pensamentos,
Que é tudo isso sobre o sereno, que é andar noite a dentro
Sem preocupações sobre quando nascerá o dia imaturo
Ou se haverá dinheiro ou haverá trabalho ou haverá
Comida... Que poderoso é existir simplesmente
Como um animal gastando a si mesmo
Em êxtases de simplicidade e gozo.
Alegria, meu coração,

Alegria! Nada pode dar errado
Pois que não existe o erro e nem sequer
Existe a imperfeição - tudo é o que é por ser
Simplesmente, como as flores que desabrocham
Não para que sintamos seu perfume, mas porque não
Sabem mais nada senão desabrochar, como os rios correndo
Porque não sabem andar lentamente. Como abelhas sendo abelhas
E cães sendo cães, sejamos nós humanos sendo humanos,
Completamente, simplesmente humanos, porque não há
Fragmentações entre nós e nós mesmos, e não há
Fragmentações entre nós e o resto, porque nós
É que somos o resto, e o resto é que nos é.

Alegria, meu coração,
Alegria! Porque tu és tudo,
Meu coração, e és, portanto, correto
Em todos os teus sentimentos e dores, porque
És correto, principalmente, quando te alegras! Alegria!
Porque a vida foi feita para ser vida, cheia de abismos escuros
Para que possamos entender a perfeição dos autos
Picos frescos, e cheia de alturas para que não
Desejemos a queda demasiadamente.

Alegria!
Que chegará
Um momento fatídico
Em que nada sentirás, coração,
Mas, até lá, é tua única
Obrigação real
Sentir muito
E nada
Mais.

sábado, agosto 11

Agosto,
Cheguei ao meio
De Agosto
E não me encontrei
- O que encontrei
Foi este estado estranho
Que não é negro nem branco,
Que não é doce ou salgado.
Encontrei foi este estado
Deplorável, no qual tenho
Náuseas de me encontrar,
No qual preciso me esforçar
Para escrever, no qual a sensibilidade
Não vem por si mesma, mas empurrada
Pela goela à baixo.

Passou Janeiro luminoso,
Fevereiro sensual e escandalizado,
Março de todas as redenções humanas,
Abril me apascentou o ser e glória
E Maio foi mês de bebedeiras
- E vieram Junho e Julho como irmãos
Que cometem incesto em uma tentativa
De se aquecerem, e Agosto caiu por cima
De mim como uma rocha maciça sem piedade,
Como um padre velhaco e retrógrado
Com o dedo em riste, balbuciando acusativo
Todos os meus pecados, como se ele mesmo
Fosse melhor do que eu.

Onde eu estou, onde? Há algo aqui que se perdeu,
Há algo aqui que sempre se perde, ciclicamente,
Como a marca das estações - solstício da minha vida,
Da minha vida de noites muito longas e dias
Que de tão curtos quase não existem,
E a minha essência sendo deflorada
E jogada na amargura do abandono.
Que polos são esses que se invertem sem aviso
Dentro da minha cabeça quando menos espero?

Não, Agosto, não, não tens gosto de nada!
Não és doce, muito menos salgado
- Porque nem lágrimas eu tenho que me salguem
A boca ou me inspirem sensações de ânsia e agonia,
Não tenho lágrimas de olhar a paisagem... estou estéril,
Estou desértico, seco e frio como as dunas sopradas de vento.
Estou morrendo, Agosto, em um eclipse não anunciado,
Em uma penumbra que não cede à luz nem à treva.

Porém me restará Setembro, e eu serei cinza morna...
E das brasas que se supunham apagadas, de mim mesmo
Renascerei aos poucos - como a fagulha que encontra
Madeira nova: eu ressurgirei! Estou certo que ressurgirei, Agosto!
Não serás tu a me extinguir, pois que eu sempre inflamo
De meus restos, eu sempre ressurjo das minhas próprias fuligens!
Haverá de emergir uma alvorada que me conduza
Ao equinócio que é fulgor pontual,

E o sol que eu sou voltará enorme em Dezembro desnudado,
Sim, até Dezembro nascerá novamente a juba que me tosaste,
Agosto, e estarei pronto para explodir de orgulho e virilidade
E gratidão de ter superado,
Não a ti,
Mas a mim mesmo.

quinta-feira, agosto 9

De uma maneira estranha
E inexplicavelmente impulsiva,
Vez ou outra me sinto
Um completo suicida
- Me corroem ímpetos
De voar, absurdamente
Desvairado, do décimo
Quarto andar ao chão.

Seria um voo rápido,
Um vislumbre mágico da cidade
Inteira, por um ou dois segundos,
Surgindo e crescendo
Dentro de meus olhos...

Mas algo me segura,
Ou eu mesmo me impeço:
Que fagulha de vida é esta
Que me força a esperar?
A morte é certa - porque
A pressa? Terei em mim
A terra fria quando for hora...

Há algo
Que me diz que me surpreenderei
Muito
Enquanto teimar em respirar.
E recolho minhas asas.

Soneto Cético

Alguém me trancou, por maldade,
Dentro de um sonho ruim
De tão bom! Dói, vida!
É no latejar da ferida

Que se sente o ímpeto doce
De viver. Tudo será perfeito,
Desde que eu sorria
Vinte e quatro horas por dia.

Vai passar! Cada momento,
Cara, beijo, suspiro, espreguiçar...
Vai passar... Até a vida

Vai passar... E eu, teórico,
Só sei me preocupar com aquilo
Que vem depois do calor da luz.
Perco meu tempo observando inutilidades:
Descobri cores impronunciáveis de tão ricas
E lúcidas, descobri insetos felizes e lindos!
Perco meu tempo observando inutilidades?

Eu é que sou um inútil, fomentador opaco
Dos erros conscientes de ser humano
(Dos erros conscientes de ser humano,
Eu é que sou inútil, germinador fraco).

Qual a causa única e infinita de tudo,
Imensuráveis acasos geradores de prováveis
Destinos aleatórios e singularmente tristes?

Qual a causa única e infinita de tudo,
Senão a única e infinita intenção criadora
Da causa pela causa sem motivo ou paixão?

Três sonetos assimétricos de tédio

I

Os segundos, todos eles,
Parecem feitos de tédio bruto,
De rocha impossível, de solidão
Suspirante incapaz.

O que foi que houve
Que me parece tudo irreal?
(Daqui a pouco alguém salta
De trás de uma cortina etérea

E me confessa que toda
Existência é cena montada,
E os atores acenam, solícitos,

Para minha cara de paspalho conformado...)
Onde foi que esqueci o remédio
Suposto para me acordar?


II

Olho a árvore muito marrom-e-dourado
E sei que é Outono alto quem cala.
De onde veio tudo isso sob o sol ameno,
Essas pedrinhas, essas gramas,

Essas florzinhas ralas e aquelas
Nuvens de desgosto cinza e negro?
O cenário (que é tempestade anunciada
Num campo de ventos e folhas),

Que mão o pintou? Quem, dentre os mestres
De máquinas, ajustou todas estas funções?
Há tanto dentro e fora de mim, inacessível,

Que a resposta só pode estar escondida
Nas ramagens felizes e viris do mundo:
A vida a crescer sem causa ou razão...


III

Uma grande mesa, marrom e desgastada,
Perdida num salão de penumbras alegóricas
Com suas seis cadeiras verde-pera morto
- Num canto da cabeceira esquecida, eu:

Uma caneta incerta na mão alta, um fumo
Bom na mão canhota, lançando um fio fino
De fumaça para inundar tudo o que há...
Uma palavra rabiscada, dúzias de dúvidas

Nas sobrancelhas pesadas de sombras
Borradas. Pouca luz ao redor do corpo,
Nariz de germânico triste, olheiras...

Faltava, nesta cena, fogo de lareira, uma cadela
- Taça de vinho derrubada ao descaso:
Que pintura lindíssima qualquer vida humana.

terça-feira, agosto 7

É madrugada,
Mas em breve
Não será:
São cinco horas
Da manhã -
O dia procura
Meios de clarear.

Quando vier o sol
Talvez eu ainda esteja aqui
Nesta sacada alta, muito alta,
Vislumbrando o mar e o céu
E as aves que já supõe cantar
Nas nuvens de mármore rajado.
Quando vier o sol, talvez eu
Ainda esteja aqui, nesta sacada
Alta, muito alta demais, pensando
Em motivos e suspeitas de existir,
Indagando a deus sobre sua identidade
Sublime, encarando ondas como quem
Quer se afogar e descansar em ritmos
Suaves. Quando vier o sol, eu certamente
Estarei aqui - e é possível que continue
Quando o sol sumir novamente e tudo
Voltar a ser unidade na escuridão noturna
Que abraça a matéria sem preconceito...

Eu deveria ser assim, potente e extremo
Como a claridade viril do dia
Ou a sombra majestosa da noite...
Eu deveria ser assim, capaz de abraçar a tudo
E não negar nada a nada na abundância
Plena de mim mesmo.
Eu deveria ser assim,
E assim serei:

Eu vou me triturar em golpes bruscos
E voltar ao pó antecipadamente,
Para, disperso num sopro de brisa,
Nunca mais parar de me mover,
Para cobrir a tudo e completar o mundo
E, estando tão próximo e tão distante
De mim mesmo, aceitar com muita nobreza
Que me calarei em breve, submerso em terra
E soterrado em silêncio,
Pois que não há outra forma
De viver a vida
Senão
Viver a vida...

E quando vier o sol,
Eu estarei aqui:
Alto, muito alto
E completamente ereto
Para absorver com os olhos
A experiência fantástica
Que é ver
Chegar
A luz.

terça-feira, julho 31

Eu entendi na luz dos teus olhos,
Mulher dura, velha da cor da terra
Grave, o que é a lição do jardineiro
Que ama e cultiva e não desespera

(Na lida, brusca como a rocha nova,
Ou no verde fresco que é verão perdido,
O jardineiro é o neutro que existe,
Como o animal que se põe consciente,

Mas não questiona o cosmo
Inabalável e o colossal frio agônico):
O jardineiro é o neutro que existe.

A cor dormente e madura de flores
Horrendas de pensar, o tesão recolhido:
O jardineiro é o neutro que existe.

segunda-feira, julho 30

O homem
Só sabe
Daquilo
Que viveu.

Eu estive
No fundo
Do poço,
E na água
E na lama
Vislumbrei
Uma verdade
Deliciosamente
Perdida e refrescante,
Como uma brisa vinda de cima:

Ouçam,
Amigos,
Pois me sujei
Nas profundezas
Resvaladas em sombras
Inconfessáveis e monótonas,
Eu vi a face da morte desmascarada
E descobri que só morre aquele que em vida
Não vive, só se afoga aquele que desiste
De nadar. Ouçam, camaradas válidos
- Pois é válido todo hálito
E todo o sentimento,
É válido todo o sentido -
Eu estive à beira de um tempo
Sem volta, mas um suspiro
Me salvou os lábios,
Um orvalho me valeu
Os olhos, ouçam:
Há uma música
Que completa
E acalma
A alma
Viva...

Ouçam!
Sempre
Há música
Para quem
Estiver pronto
Para, sereno, ouvir...

Ouçam,
Pois a morte
- Que virá -
Não é senão
O silêncio eterno.

sexta-feira, julho 27


Minha agonia
É não entender:
Não sei o que se passa,
Como se agregam as partículas
De existir, como se disseminam
A burrice e o extremismo nesse mundo.
Minha agonia é ver que todos são crianças,
E que poucos homens abrem de fato os olhos
Para tudo isso que nos cerca e que só pode ser
Um teste. Ah, se isso não for um teste de um deus
Ou de uma máquina ou de uma loucura qualquer,
Que tristeza, que tristeza seria haver consciência!

Ah, vontade enorme do meu ser, sobrepujai tudo isso,
Como a onda enorme que invade as terras secas em fúria,
Como a onda enorme que virá para destruir tudo e possibilitar
Recomeço! A enorme onda que afogará de vez todas as mágoas e crises
Para que renasçamos em outras frequências e, ao menos, busquemos algo
De pureza, sabedoria e amor. Façamos disso um sentido, no recomeço...

Ah, vontade que é o único deus e que é o deus de poucos, pois poucos
Entendem, me mostra a tua verdadeira face, a tua multiplicidade verdadeira
Sancionada em êxtases e memórias de prazeres inabaláveis, me mostra a tua
Face coroada de esplendores instintivos e inerentes à raça humana, me mostra
A face da besta e o deleite de ser um animal e servir somente às vontades naturais!
E façamos disso um sentido, no recomeço... E da compreensão e da busca eterna por compreender
Façamos um emblema que será exibido aos míseros como um exemplo e um convite magistral,
E todo aquele que quiser crescer, crescerá.

Ah, vontade, Me consuma! Me consuma em teu serviço atroz! Queime o meu corpo
Na fogueira das liberdades maduríssimas e conscientes de si mesmas,
Entalhe a minha alma nas oficinas de artes sublimes e de segredos necessários,
sobre as mesas dos mestres e sob os olhos dos discípulos,
E me deixe ser um exemplo de humildade enquanto és o exemplo
De toda a misericórdia que há:

Me consuma
Até a ruina,
Que desmoronarei
Impiedosamente silencioso
Sobre o chão do destino que é meu,
E me dissolverei em líquidos felizes,
Gigantescamente felizes e conformados,
Para depois evaporar e voltar ao centro
Do corpo curvado
Do céu estrelado
Que é minha casa.

domingo, julho 22

A saudade
Que sinto
Do teu corpo é a felicidade atônita
De quem não conhece o gosto,
Mas
Se apaixona cruelmente
Pelo paladar primeiro que invade
As papilas da mente.
A saudade que sinto do teu corpo
É a ausência dos ventos na primavera,
A ociosidade dos polens que flutuam leves
Em fertilizações deveras despreocupadas
Na luz de um sol morno e indigente.

A saudade que sinto
É uma coisa qualquer que rasga
A pele pedante,
É a falta das obscenidades
Inocentes que só são corretas
Na tua carne fresca e pálida,
O desespero desencontrado
Da matéria que ferve e anseia
Penetrar mais profundo no âmago
De outra matéria - a saudade
Que sinto do teu corpo
É saudade de ser uno com tudo!

É a incompetência das almas
Que não se completam, mas
Se esvaziam por um instante
De si mesmas e de tudo ao redor,
No esforço divino de preencher
O outro ser em amores bruscos
E gemidos improvisados.
É o mistério cínico
Do desejo que não
É absoluto, mas imensidão...
Ah, minha saudade é um universo!

A saudade que sinto do teu corpo
É tudo o que tenho, é tudo o que sou.
A saudade que sinto do teu corpo
É a saudade que sinto de mim mesmo
E de todas as outras coisas que não conheci
- Pois que não sei quem és e não sei se sou...

O que sei é que a saudade que sinto do teu corpo
É a labuta mais bela de todas, é a arte! É a vida!
A saudade que sinto
É uma paz que vem
Da dignidade imensurável
De me sentir em ti, como um todo,
Completo:
A saudade
- Que sinto
E não nego -
É a vontade
De ser estrela
E queimar alto
Noite a dentro,
Dia a fora...

sexta-feira, julho 20

Alvejado por ventos crispados
De chuvas monótonas e vazias,
Luzes de cores de outono
Debruçadas numa janela qualquer,
Vislumbro um céu que já não é
O mesmo céu que havia
Segundos atrás.

O que se perdeu de meus olhos
Atentos, se a estética dessa unidade
Que é firmamento e nuvens,
Águas marítimas e planície abandonada
Já não me diz tanto quanto me dizia
Antes? O cinza que tomou todo o espaço
É o cinza que cuspi de dentro do peito,
Pois há desespero na paisagem
Tanto quanto há desespero em mim
- E ambos mudos, como quando a mínima
Vibração seria capaz de causar
Um desmoronamento de proporções
Catastróficas, como quando a palavra
Exita com medo de que tremam os lábios
Ou soluce a essência que em nós pensa...

O que se perdeu, afinal, se perdeu de meus olhos?
Onde se escondeu a ternura que era sol imenso
De minutos passados e perfumes quentes?
Ah, sempre a mesma mania, esteja eu na varanda
Fresca ou no porão mofado, esteja inutilmente sozinho
Ou acompanhado dos inúteis:
É a mim que pertence a culpa,
É minha a fuga e o modelo de toda agonia
Que se pinta na paisagem pouco expressiva.

Ramagens frias, ocaso de pouco calor, vaga
E falsa simplicidade das flores que teimam
Em me sensibilizar arqueadas ao vento:
Que verbo de poesia úmida
Materializou tanta beleza e tanta crueldade,
Que esta enorme e impotente simetria
Não cansa de me torturar?

De nada eu participo,
E o tédio é a única natureza
(Morta)
A ser vislumbrada
Desta janela.

domingo, julho 15

No descampado aberto e fresco
Da mente que tanto vislumbra,
Me pergunto sobre a arte
E sua necessidade. A arte
Que lapida a minha vida,
A arte que é minha filosofia
e que desafia as razões de ser
Tão raso, tão raso e ralo!

Ah, ser humano, que mundo
Almejas quando cantas?
Quais corpos crias nas tantas pedras
Frias das estátuas eretas que são tua
Imagem e semelhança? Que quer
Teu corpo quando dança, quem é que
Desafias quando dizes em palavras
De poesias que a tua vida vale tanto
Que até pranto causa? Que ar respiras
Na pausa das melodias que transpiram
O silêncio arrebatador da inspiração?
Ai, coração recheado de linda leveza,
Mas farto dos dias maciços, entende!

Ah, arte que não é meu ego, mas meu lapidar
Interno, fuga de todas hipocrisias, me explica
Qual mágica tu crias que em ti me apego, me diz
De qual inferno causticante me ajudas a escapar!
Tu que não julgas nem cansas, por mais que cante
Meu lábio desafinado de orelhas mudas,
Tu que não te importas com rima e metro
Inconsequente, arte sem filha ou neto
Presente, arte estéril, mas que tanto cria
- Tu és como a elegante tia que faz doces
E acalentas, sejam dúvidas, sejam amores...

Vieste de outro plano,
Onde a perfeição vive
Majestosa na prática,
Onde tudo convém
Em forma e cor.

quinta-feira, julho 12

Manto escuro da noite.
De longe, muito longe,
Presumo a lúcida aparição
De deuses inimagináveis,
De almas escandalosas
E fosfóreas, de naves
Ou ciências que expliquem
O que fazemos aqui.
A cena é a monotonia
Daqueles que pensam
E morrem de solidão.
Eu morro de solidão...

Mas é através das indagações
Da solidão da minha poesia,
Espontânea e despreparada,
Que vou dissecar a existência,
Que vou filosofar sem estudos
Acadêmicos e debater comigo
Mesmo, sendo mestre e aprendiz
Das artes mais sutis que existem
E que não podem ser dominadas
- Tudo em mim são opiniões!

Mas e daí? Tudo em todos
É opinião. Sortudo é quem
Tem fé e ignorância, ou sabedoria,
Em quantidades suficientes para estar
Certo neste mundo que não ama
Ninguém e não pede para ser amado
De volta... Ah, o mundo é uma puta!
Uma puta escandalosa e linda, linda,
Tão linda que chega a causar dores
E náuseas de ciúme! Quem não quer
O mundo? E ter o mundo é entender
O mundo, como se entende um amante
indiferente e distante de tudo que é nosso...

Pois é isto o mundo: um amante egoísta
Que procura satisfazer a si somente
Na voragem do sexo que não cessa
E que por fim cansa, no desagrado
Contundente de um carinho forçado
Que por fim machuca! Um amante vulgar
Que só sabe ofertar sua beleza obscena
E seus ataques de histeria e que, mesmo
Assim, nos fascina mais do que qualquer
Outra imagem coroada de castidade e luz.

Manto escuro da noite,
E em meus pensamentos eu me perco,
Porque tudo que penso são ondas,
E, nesta ressaca de marés sem fim,
Eu já nem sei sobre o que escrevia...

quarta-feira, julho 11


Tenho vergonha de ter esperanças e ilusões
Neste mundo de materialismos.
Tenho vergonha como quem vai falar às moças
E teme que lhe zombem o traje e o trejeito.
Tenho vergonha, embaraçosa, pois um dia
- Um dia que não será um dia, mas um momento -
Todos saberão o que eu sinto, e eu sentirei
O que todos são, afinal. Grande vergonha
Da unidade desnudada que tudo é,
Da unidade desnudada que é deus
Nos homens e nas pedras e nas constelações.
Grande vergonha de não querer ser parte
De tudo isso, mas um ser único e independente
E capaz daquilo que quiser, sem nada a impedir.
Tenho... tenho muita vergonha de ser quem sou,
E o que sou é vocês tagarelando, vocês amando
Falsamente, labutando qual touros e definhando tal cães,
Com o mistério supremo farejado abaixo das narinas,
Porém indetectado como qualquer ideia banal inexistente,
Com a grande sopa universal boiando invisível sem matar
A fome que se sente, porque não a comem.
Vergonha de sofrer de verso livre e de liberdades
Impraticáveis de tão profundas, vergonha de respirar
Ar puro...

Soltem os leões do destino no estádio das consciências
E deixem que devorem com prazer esta carne que nada
Tem a oferecer senão mágoas e arrependimentos natos,
Senão vergonhas de haver encarnado e de precisar partir
Sem nada concluir, pois a única conclusão é o sono que virá.
Sentado,
Iluminado
Por luzes
Que não sei,
Decidi que vou escrever
Sobre verdades sublimes
Por me pertencerem,
Pois é esta e não outra
A minha
Vontade
Suprema.

Sentado.
E não há
Necessidade
De muito mais
Do que a abrupta,
A dilacerante e inexplicável
Vontade
- Vontade
De ser enorme
De ser rei entre homens,
De brilhar por brilhar apenas,
Como uma estrela que se consome:
Me disseram que poderia fazer
Aquilo que quisesse, desde que
Suportasse sobre mim o peso enorme
Que é
Eu e minhas escolhas.

Sentado,
É o que vou fazer:
Escolhas.
Vou escolher
Ser,
E seguir com maestria
O meu verdadeiro eu.
Sentado,
Pois o movimento
Maior que há,
Não se enganem,
Não é o do corpo.

Sentado,
Porque em pé me canso,
E não existe outro propósito
Senão amar e celebrar aquilo
Que em nós experimenta e pensa.

sábado, julho 7

I

Na hora indecifrável da aurora,
Todo o vento que se agita no mar cessa
E se deita nas ondas para vislumbrar o signo
Maior que nasce. E o mistério que há em mim
É composto pelo mesmo material radioativo,
Pelo mesmo ouro em calda, o mesmo cheiro
De maré aquecida - toda matéria em tudo,
Tudo em toda matéria.

Se assim, porque então me perco e me descontrolo
Quando me sinto desconectado daquilo que é minha
Origem? É que sei que deus não é o velho da barba branca?

É que sei que deus não é o velho da barba branca...


II

Por que é
Que eu fui
Me apaixonar
Pelo frio
E pelo escuro
Estáticos,
Apáticos,
Que surgem
Do manto da noite?

Por que é meu
Destino amar
O mármore
Profundo das nuvens
E o ouro incerto
E delicado do sol
De Abril?

Quem me entalhou
Estas sensibilidades?
Sou curioso
Sobre as mãos
Do artista:
É deus essa sensação
Pulsante, ânsia de viver
Do animal abatido,

Ou o tédio
Enorme
Só existe
Para nada?

A ideia
De inexistir
Na morte
Me parece
Cada vez
Menos
Palpável...

Eu vou me submeter,
Com dignidade,
À escuridão
Que é necessária
E ao silêncio
Que é virtude...

quarta-feira, julho 4

Coração tão colorido, cerzido nas linhas finas
Da curiosidade que a tudo engloba e apregoa,
Por que te torturas assim, sem fim, rasgando
Em tiras tuas fibras de tão bom grado, alucinado
Em desesperos de fidelidade inexistente, ilusões
De cheiro certeiro e vão de amor ausente?

Às forças que me compõe e sustentam, dignamente,
Na inutilidade do presente, peço perdão
- Pára, meu coração, de bater assim por ânsia,
Lembra é da infância que te iluminou, onde tudo
Havia para amar, mudo, sem nada questionar.

Não saber o que não se sabe é única paz que há.

segunda-feira, julho 2

Eu disse, surreal e esperançoso,
Que havia um poema entre nós,
Entre nossos corpos desencontrados
Mas íntimos, um poema longo de se ler

Com os dedos, desesperados cegos.
De onde vem esse perfume alucinado,
Essa rima branca de versos que sei de cor
Não os tendo lido ainda, páginas adivinhadas?

Ah, poesia sem métrica, porém com ritmo intenso,
Teu gosto incessante e esperado é o que guarda
Meu sono, livro da cabeceira dos meus dias!

Vem, Isabela, que há páginas inda vazias
E sutis a serem preenchidas, que há lirismo doce
Na minha boca de carícias para te suavizar a vida.

sábado, junho 30


Quero tanto as tantas coisas impronunciáveis que me cercam!
Mas as quero tanto e são tantas que sua pressão incalculável
Me esmaga e me condensa e já não faço nada senão inércias.
Quem, em qualquer lugar, pra me ensinar a prática da vontade?

Quero tanto as todas coisas que não posso querer porque não
Me cabem, porque não me definem e não me sugerem nunca,
Mas as quero num egoísmo tamanho e mesquinho e vilanesco
Que então nunca jamais as poderia ter em mãos minhas tristes.

Quero tudo o que há, mas tudo o que há é peso sob meu ombro,
Tudo o que há me torna o grão mais minúsculo sustentando o sol
Mais imenso - a solidão humana  de ser, a tristeza de existir e ver

E nada poder tocar. Voo magnífico da ave, paz discreta do peixe
Submerso, glória do felino indiferente a tudo que pode ignorar:
Porque é que não vim ao mundo com a vossa leve simplicidade?

O que é a empatia
Senão uma concentração imensa,
O foco supremo de toda a vida pulsante
Que procura nos outros a si mesma?

E eu, tão desnorteado por me prender
Aos detalhes inumeráveis de todo esse universo
Que me rodeia, me desesperando por não entender
- Nem ao menos vislumbrar - a mínima fração de tudo!

Porque é que agonizo assim diante das impossibilidades,
Se a ignorância humana é a ordem natural das coisas,
Se a solidão é o caminho único para qualquer luz?

Amar ao destino e ter fé - em si mesmo - é o remédio.
Eu é que sou a verdade, e o entendimento real é instinto:
Deus perdoa a tudo somente porque tudo é deus.

sexta-feira, junho 29


Submerso
No silêncio pacífico e intangível
De uma piscina solitária,
Deixo que a água fria
Seja o remédio que há
Para todos os desconcertos
De existir.

Amor fati,
Eu penso,
Inserido
Na transparência
De um mundo mais simples,
No desespero das bolhas
Que correm à superfície
Fugindo de meus pulmões condenados.
O que fazer, afinal, além de resignar?
Haverá uma hora sequiosa de viver
Em que nada poderei senão inexistir.

Amor fati,
Me disse o filósofo maior,
Amor fati, que o mundo
Surra aqueles que não se curvam,
Que o futuro arrasta
Quem não vai de bom grado...
Amor fati,
Porque destino
Não é senão
Aquilo que acontece.

E eu,
Gaguejado eu,
Eu,
Eu...
Que ridículo é o ego!
Quanta coisa se pensa
Em tão pouco tempo...
Não quero é morrer
Sem respirar.
Amor fati,
Porque sou minúsculo
E sou imenso, desde que
Saiba que tudo o que vem
É o inevitável...

E me ponho
A nadar.

quarta-feira, junho 27

Flor,
Flor imensa
Que encontrei
Desabrochada
No pasto da vida,
Que lua te banhou,
Que orvalho tu bebeste
Para ser assim tão cândida
E tão resplandecente ao sol?

Perdida,
Perdida estiveste,
Já pronta, mas não
Colhida, já bem sabida
Mas não testada. Quais mãos,
Quais mãos tremeram ao te colher
Que nem sabias? Quais olhos ao te ver
Lacrimejaram todas as lágrimas, belíssimo
Orvalho gigante, cauteloso e despido dos dias?

És a camélia,
És a camélia mais pura,
Rainha coroada, flora sofrida!
Que raízes fortes as tuas, emaranhadas
Ao peso inacessível e bruto do vento anormal,
Do vento anormal e triste de te tentar arrancar e não,
Não, nunca ter sucesso! És a flor branca, o polido inverso
Da escuridão que julgavas tua, porém jamais te pertenceu.
És a flor dos dias, dos dias que nunca nasceram e nunca morrerão.

Pétala,
Pétala por
Pétala te farei
Minha, pois que sou
O jardineiro persistente,
O arado inabalável e delicado,
A sensação de querer e libertar:
Que a tua presença, ornamental, lúcida,
Não fuja dos meus olhos, mas possa sempre voltar.

segunda-feira, junho 25

Ignorante à sedução milagrosa
De uma madrugada de ventos,
O que poderia satisfazer
Mais a fundo o meu ego
Do que a tua presença?

Tudo mais é estático
Onde tu te moves felina.
Cada sorriso teu é um tiro
Que eu levo, e teu perfume
Morno é mais palpável que
Meu sangue esvaindo litros.

Nada posso contra o teu olhar,
Medusa sexual nostálgica,
E quando falas macio eu
Morro dentro de mim,
Agonia muda e excitada de si
Mesma. Teus cabelos de hera

(Venenosa) inibiram meu veio,
Sufocaram minha boca, ataram
Meu falo. Teus cabelos de hera
(Venenosa) tem a cor de um
Orgasmo, mas já não há no teu
Corpo nada que sustente o meu.

Quem,
No plano inteiro
Da existência toda,
Te permitiu ter o sorriso
Da fêmea madura hipnótica,
Da deusa das sombras e fogos,
Da aurora quando resplandece enorme?


Tu és o perfume de todos os corpos atônitos
A doçura escaldante dos felinos indiferentes,
A mudez das santas carnais e femininas,
A ideia primeira de todas as mães amantes.
Teus seios são relâmpagos e trovões,
A luz engasgada na engrenagem das consciências.
Tu és filha dos feitiços e sortilégios, madrinha
Deliciosa da persuasão perversa e cínica...
Tens meus olhos, meu ventre e meu coração
Em tuas ambas mãos minúsculas e pálidas,
Em tuas mãos de oliveiras maliciosas e perdidas.


Aceita, rainha, este corpo poético
Em sacrifício humilde, mas poderoso.
Aceita, senhora, este corpo imenso
Que quer ousar nas tuas carnes;
Aceita, amor, esta ligeira gentileza,
Que tudo que sei são canduras e monotonias.

sábado, junho 23

Eu alvoreço.
Tu alvoreces.
Ele alvorece,
Em meio a esse
alvoroço.

Viver?
Melhor é não levantar
Antes do almoço.
Viver é um desperdício!
Eu adormeço...

As outras pessoas não.

sexta-feira, junho 22

Soneto Oculto

A inocência incontida, desarmônico ego,
Tão dolorida pela imagem leviana criada,
Sufocada em torturas negras e materialistas,
Nâo passa de ignorância faminta e muito cega.

São sonhos tristes que não existem, porém eu me apego!
Utopias (somente) da carne quente que não viu nada!
Loucuras festeiras! Um baile de vis vestidos e fitas,
Corpo das moças bonitas que tanto se quer, mas se nega.

Vida pouco importante, tão deslocada de si mesma,
Que véu disforme é esse que te cobre os olhos nus?
Quem te tampou o poço enorme de todos os mistérios?

Percebes que és touro, águia, leão e também lesma?
A chave de ouro atroz do saber que eu me impus
Será a bênção de salvação dos meus argumentos sérios...

segunda-feira, junho 18

Invasores


Algumas correntes são mais difíceis de romper do que outras, mesmo quando se tem a ferramenta correta, mesmo quando já se fez isso mil vezes. Odeio quando eles compram correntes de qualidade - às vezes, quase me fazem desistir. Havia silêncio em volta, e o silêncio, quanto mais profundo, mais tensão parece causar. Eu suava. Nenhum vento soprava, de forma que nem mesmo o farfalhar das árvores existia. Tudo no universo, naquele instante, era eu, a corrente e o suor traçando um caminho pouco linear em meu rosto, porém sempre achando a curva aguda do meu queixo e pingando ao chão  - acabaria me dissolvendo em esforços. Então, eu ouvi algo que geralmente não é audível: o barulho estalado e seco de um cigarro queimando. No mílésimo de segundo seguinte, um pequeno ponto de luz avermelhada ao meu lado, denunciando, na escuridão, a presença de meu amigo. Eu quase havia me esquecido que ele estava ali. Foquei no meu trabalho novamente.
- Trouxe os sprays? - ele falou no intervalo de uma tragada, largando fumaça pelo nariz. Não respondi. Deixei que minha arrogância resignada fosse a resposta à pergunta óbvia, enquanto ainda lutava com um alicate nas mãos. Não falamos mais nada, e ele, demonstrando impaciência, se afastou alguns metros para mijar em um canto. Olhava em volta, impaciente, como se a qualquer segundo fosse aparecer alguém. E talvez realmente fosse aparecer alguém. Busquei em mim uma força saída toda do meu desgosto de estar sendo derrotado por um objeto inanimado e, finalmente, com uma onomatopéia abafada e metálica, os elos se romperam ante o poder de minha teimosia.
Rapidamente, em meio a sorrisos de satisfação mútua e dois tapinhas de aprovação que retumbaram em meu ombro, pegamos as mochilas que estavam escoradas no muro e adentramos o pátio do casarão. Não haviam cães, eu sabia. Não havia ninguém. Eu queria aquele lugar há um bom tempo... o suficiente para saber, ao menos, que os donos não apareciam frequentemente. Gente rica e suas casas de veraneio. Mato alto nos cercava, dando evidências para minha teoria, indicando todo o descaso do mundo. Chegamos ao meio do terreno, e parecia que algo me invocava com pressa para o interior. Fitamos a enorme construção branca e descascada e, depois de breve exame, achei a janela de tábuas pregadas que seria nosso portal aos salões do triunfo.
- Pé-de-cabra - falei, esticando a mão sem desviar os olhos, como se fosse um cirurgião compenetrado, e fui logo atendido por meu solícito ajudante. Tábuas com pregos enferrujados não poderiam me deter, não depois daquela maldita corrente ter sido rompida. Comecei a cirurgia.
- Porra, você demorou nessa! Pensei que a gente não ia entrar nunca. O que tinha naquela merda, titânio? - Rio, nervoso e empolgado.
- A gente tá dentro, não? - respondi, ríspido. Ele me olhou, descrente.
- Qualé teu problema, meu? Que é que deu em você hoje, hein? - Arranquei a última tábua e, suspirando profundo, olhei para cima e resolvi me desculpar:
- Olha, cara... foi mal. Eu tô me sentindo tenso, sei lá... Só vamos entrar e fazer essa porcaria logo, tá certo? - nos encaramos longamente, olhos nos olhos, como homens, com os maxilares rijos. Concordamos sem mais palavras.
Ele foi o primeiro a entrar, no escuro total, tateando se medo. Fiz desse ato uma espécie de cortesia banal, enquanto catava na minha mochila a lanterna que havia roubado do meu pai. Um forte cheiro de mofo e solidão se fazia presente. Clic. Luz. Vi refugos de tijolos quebrados, madeiras úmidas esverdeadas e latas de tinta velhas e manchadas, enquanto pulava também a janela. Ouvia, dentro do recinto, o barulho dos entulhos sendo pisados, mas só de relance avistava o vulto de meu companheiro de invasão. Os tijolos e latas, pelo visto, me interessavam mais naquele momento. Fucei, acocorado, em uma pilha de lixo que me chamou atenção.
-Ei... me dá luz aqui... acho que encontrei uma boa - ele falou. Demorei pra responder, ainda hipnotizado por um telefone velho que descobri em meio a tudo aquilo - Ei, seu puto! Me dá essa merda de luz aqui! - gritou mais alto. Alto o bastante para que eu temesse sermos descobertos. Foquei o lugar onde ele estava. Vi seu rosto enrrugado de raiva projetando, em uma grande parede branca atrás dele, uma sombra enorme. Um calafrio estranhíssimo abalou meu corpo.
- É... essa vai servir - respondi, encenando descaso. Ele, novamente empolgado, como se não se lembrasse mais da tensão palpável entre nós, girou nos calcanhares e sacou uma lata de spray da mochila. Em poucos segundos, começou a grafitar. Acompanhei, pegando meus sprays também, afinal, foi pra isso que nós tinhamos vindo.
As explosões de cores substiuiram as explosões de ego, de forma que duas horas depois já estavamos completamente relaxados, jogando conversa fora e finalizando nossas pequenas obras de arte enquanto fumavamos um baseado grande. Ele desenhou um rapper cabeçudo qualquer, enquanto eu me contentei com um coração bastante elaborado, amarelo, com minha assinatura no meio, indecifrável aos leigos. Iriamos ganhar fama por aquela ousadia... as coisas sempre vinham à tona nas cidades pequenas, e a galera toda da rua iria logo saber quem fez aquilo. Conheciam nosso traço, nós éramos bons.
Finalizada a concepção, era hora de ir embora, tão soturnos quanto chegamos. Antes, todavia, era de praxe que fotografássemos o desenho. Me preparei, pegando da pequena bolsa externa da minha mochila uma câmera burguesa. Mirei, pressionei o gatilho de leve, só para ajustar o foco e, um segundo ou dois depois, espalhei pelo ambiente o clarão rápido do poderoso flash.
- Deixa eu ver como ficou, bundão! - exclamou, leve, risonho, meu bom amigo. - Pera aí, caraca... - respondi, também leviano, chapado, tentando me equilibrar depois do soco amigável que levei no braço direito. O botão do menu trouxe aos nossos olhos, conclusivo, o que pensamos que seria a foto de nosso vândalo e rebelde trabalho, mas o que vimos não foi senão uma figura terrível o suficiente para nos arrancar o ar dos pulmões: esguio e flutuante, a boca escancarada de agonia e os olhos vazados de morto, a mão direita erguida em nossa direção - um ente fantasmagórico e desprovido de cor apontava para nós com seus nodosos dedos longos.
- PUTA MERDA! - não sei qual de nós gritou.
 Acho que mijei nas calças. A câmera caiu no chão, disparando outro flash antagônico, e corremos para fora do lugar - tão rápidos e desesperados que sequer lembro onde foi que perdi de vista meu amigo...

sábado, junho 16


Oi, mato da manhã!
Alô, flor-feia do meu jardim!
Vê se a minha dor é vã,
Vê se vale a pena ter pena de mim.

Bem-te-vi amarelado de dor
(Como quem amarela de doença triste),
João-de-barro, incrível construtor,
Me contem se dormência igual a minha existe.

Quem me vê, acha o quê?
Quem me olha, o que diz?
Diz, pardalzinho flácido e covarde!

Será que meu cheiro causa alarde,
Será tão feio o meu nariz?
O que vê quem me vê?

Não sei ao certo como
Começar ou terminar
A tua poesia, Paula, pois
Nem ao menos és poética.
Teus olhos, teus quadris
Até tem gosto próprio.
De resto, és pobre...

Mas daria cinco anos
Da minha vida
Para desvendar
Teus
Veludos
Febris

(E é assim
Que se resume
A poesia).

Voo em fumaças efêmeras
Com asas grandes
– Grandes penas! –
Com olhos grandes.

Eu – transfigurado, coruja –
Com olhos de escuridão
(Com asas de neve suja)
Com garras de escuridão.

Eu, filho da lua maior,
Filho, eu, da lua negra,
Filho da noite e do pavor

Voo, voo acima do desamor
(Eu fujo, fujo à regra):
Eu vou com a lua onde for...

A manhã
– Ensolarada
E cheia de brisas –
Invadiu meu quarto
Hoje cedo,
Às escondidas.

Não sei como se achegou
Em meu leito,
Quando menos esperei
Foi: luz transfigurada!

(Como na vez
Em que dormiste
Em minha casa,
E teu sorriso
Foi o primeiro
Brilho do dia)

As horas
Que passei – sublimado,
Extasiado – à sombra
Do teu seio
(Maduro e doce como a manga
Que ferve rosada nos verdes),
Como esquecer?

Como ignorar a felicidade
Original de quem tenha experimentado
Uma vez dentro do próprio peito
A languidez morna e suada
De teus prazeres,
A maciez intraduzível do teu corpo,
O brilho incalculável do teu riso?

Me dizes que devo esquecer,
Mas como podem (as) andorinhas
Esquecerem do verão?

Faço de conta,
Às vezes,
Que tudo é coisa
Pequena,
Que tudo se escreve
Com letra minúscula
(Eu mesmo me escrevo
Com letra minúscula,
Na tentativa medíocre
De me aparentar em primeiro
Grau com erva ou faca ou tinta
Ou qualquer substantivo triste,
Muito embora também sirvam
Os substantivos existenciais:
Tem tempos,
Me sinto uma alcachofra
Ou um tule...

E não consigo parar de pensar
Quão lindo
Ser uma árvore).

Que tipo de doença
Tem sido o amor?
Não que por si ele tenha
Este atributo,
Mas sei
Que por ele
Muita gente emburrece.

O que eu não sei
É que amor que quero
Agora que me encontrei
Em mim mesmo...

Eu sou o cactus
Mais florido
Na margem
Do deserto,
Eu quero águas
Que me matem
A sede.

Nós,
Nos
Tempos
Dos
Não-vindos,
Flutuados
Aos pós
E aos
Acasos
Dos mundos,
Abandonados,
Magoados,
Reamados
E renascidos,
Éramos
Mais belos.
Assim, sérios
E ocupados,
Perdemos
Os tudos
E os todos
De nós
Mesmos...

Eu sou
Um lápis
Amarelo,
Eu não
Sou um
Lápis
Vermelho

– E acontece
Que lápis
Amarelos
Não colorem
Corações.

Pensar
Na morte
Me atordoa...
Inexistir,
Que grande
Anedota!

O conforto
Vem da ciência
Que diz
Que este
É o destino
Universal:

O nada
É o fardo
De tudo.

Não acredito
Em deus,
Por mais
Reconfortante
Que, bem sei,
Seria.
Algo em mim
(Há)
Que não
(Me)
Permite
Acreditar...

Pra ser
(Bem)
Sincero,
Prefiro
A luz
Das flores
E os cheiros
Da madrugada.

Não sei o que há
Em ti
Que eterniza
Tantos
Momentos.
Tu trazes
À tona
Tudo que
É estático
E belo
No mundo.
Teus olhos
Mesmerizaram
Deus,
Teus seios
São
O prefácio
Da inexistência...
Tua
Carne
Não
Tem
Gosto.

Escrever
Sobre
O silêncio
Da madrugada
É a única devoção
desta minha
Mão.

Vejo o mundo
– Vejo e tenho
Em mim choro
E esperança:
Minha sombra
Na parede do subúrbio
É a irrefutável
Prova
De minha existência.

Eu sou

Neste agosto
Seco
Que me cerca.

Surgiste
– Bela e adversa –
Como a chuva
Que só existe
Nos outonos
Mais arrogantes,
Muito embora,
Lara,
Teus cabelos
– Loucos teus
Cabelos, divinos
Teus cabelos –
Sejam o reflexo
Mais sagaz
Do mais sagaz
Dos verões.

Teus olhos
– Olhando –
Tem a cor
Do mar
Do meio
De março...

Desceu
Em meus céus
Uma escuridão
Que não
Há igual.

De onde vem?
Qual astro
Inoportuno
Tapa a esfera
Do meu sol?

É essa lua
Maldita?
(Flutua
A todo instante
Sobre minha
Cabeça
Sonhadora...)

A noite eterna
É o revés
Da vida.

Nuvem
Que sodomiza a lua,
Porque
Te quedas
Cinza
Se a pouco
(Eras)
Rubra?

Só mesmo
As nuvens
Morrem de
Vergonha...


Espero poder
Viver, espero
Não precisar
– Não – me suicidar
– Não! – Eu não
Preciso
Desta
Covardia...

Prefiro observar
As nuvens que correm
– Acinzentadas –
Para socorrer
O céu
Triste
E hemorrágico
(Como quem
Leva um tiro).

Às vezes
Tenho nojo
De tudo o que há
(E sei que há poeira
A me cobrir e
Sei que é
Feita da pele
E dos cabelos
Carcomidos
De toda essa gente
Que anda por aí
Me olhando feio
E apontando o dedo).
Eu me coço.
Eu me coço.

Quero estar
Bem longe de
Noventa e
Sete
Por cento
Da população mundial:
Isso tudo pode ser
Contagioso...

Em meus passeios escuros,
Munido do gorro contra o frio
E do fumo para a boca
Da imaginação,
Me deparo sempre
Com coisas magníficas
E silenciosas
- Deliciosamente
Pequenas e sem valor
A maioria dos outros
Olhos
Do mundo.

É isso que espero
De um amor:
Que saia para conhecer,
Comigo,
O valor do sereno,
Das flores
E das lesmas
Noturnas,
A vida – o cheiro –
Dos pequenos prazeres.

Há tanto de mim
Desencontrado
De meu corpo
Que – bem – já
Não – eu – sei
Se – lhe – sou...
O que foi, amor,
O que foi que tu
Fizeste de mim?
Até hoje
Inda sinto
Teu perfume
Pelas ruas
Bonitas
Da cidade.

Não gosto do barulho
Do dia.
Não gosto do dia
E seus inúmeros
Carros
E aviões
E pessoas
E cartazes.
O dia me agride...

É quando cai
A noite
Que tudo se revela
E a beleza nasce,
Enfim,
Do silêncio
(Madura
Como um fruto
Suicida).