quarta-feira, abril 10

Quatro pensamentos sobre a solidão

I

Me sinto
Muito e me sinto
Muito cansado.
O cansaço, na verdade,
Que me desloca rudemente
Deste mundo, talvez
Seja só um fruto
Imaturo da minha
Solidão: quem
Alguma vez não sentiu
Solidão o suficiente
Para somente pensar
Em dormir? Não me animo,
Não há disposição... Amo
O mundo, mas é difícil
Quando me vejo sozinho
Em meio a uma tropa
De solitários. Onde
Está meu outro lado,
Cúmplice, a me entender
Cada gesto do meu corpo
De mistérios?


II

Ouvi dizer
Que é composta
Da mesma matéria
Que os sonhos essa tal
Realidade. Pois bem!
Se é assim, vou seguir
Feliz e esquecer
A solitude e o abandono,
Vou seguir como uma nuvem
Branca que se fragmenta
E se transforma e depois
Se desintegra... Serei
Análogo a tudo que gira
Na roda infinita do natural:

Se surgires,
Meu amor, meus olhos,
Meu templo e meu abismo,
Serás a glória dos meus dias
- Caso contrário, serás apenas
A felicidade que eu nunca provei
E que sempre me fez falta.

III

Mas e essa outra
Pessoa que, dizem
As más línguas, me
Habita o corpo
E o ser, que me fala
Ao ouvido como um grilo
Poliglota (sabe a língua
Das aves, dos riachos,
Dos ventos e da geada,
Sabe a língua da beleza
De pensar sozinho),
Não me é ele companhia
Suficiente? Não me agrada
Ouvir o que me diz quando
Diz que tudo vai dar certo?

Nada sei de mim... me procuro
Sempre nas outras pessoas
E coisas, porém não encontro
Senão sombras de tédio - se eu
Tenho sede, tenho a sede
De um deserto.


IV

Eu queimo,
Estático e brilhante,
Como uma estrela solitária,
Sem planetas à orbita,
Promessa de buraco negro,
Beleza degradada de tristeza.

Venha, outra luz
Quente, que eu quero
E mereço teu corpo todo,
Venha para queimar rápido
Comigo enquanto durar
O combustível dos nossos
Sonhos, a chama dos nossos
Olhos, o ardor doce dos nossos
Pelos e peles em atrito inflamável:

Venha,
Que a minha luz é meu fogo,
E meu fogo não quer arder
Sozinho.

quinta-feira, abril 4

Dois pensamentos sobre a brevidade da vida

I

Há algo que me diz
Que eu tenho pouco
Tempo. Seja hoje,
Seja daqui há noventa
E nove anos, qual a diferença?
Preciso achar em mim mesmo
Forças para trabalhar como
Se não houvesse
Morte.

E, talvez, não haja:
Vi, no corpo morto
De uma ave triste,
Vermes e insetos
Que viviam... Onde
Começa e onde
Termina a vida?

No meu esforço,
Na minha memória?


II

Meu testamento
Secreto só entenderão
Aqueles que sabem ler
Com a alma sensível,
Com os olhos divinos,
Com o prazer do intelecto:
Tudo é livre, a vida é linda!
Só entende isso quem percebe
A morte, só capta a essência
Quem entende que a finitude
É um princípio. Essa é a minha
Palavra: a morte virá como sono
Inevitável da criança que brinca
Tarde da noite em uma festa
De adultos e depois se entrega
Ao cansaço e dorme em um banco
Qualquer sem se importar com
O barulho...

Não existe problema
Que o sono profundo e último
Não abafe. Deixem que a morte
Chegue: eu vivo!

Dois pensamentos sobre a necessidade da arte

I

Expressão,
Expressão é
A salvação!
Sinto urgente
Explodindo em mim
A necessidade pura
E avassaladora de dizer
Que tudo o que vejo
Em minha volta é
Muito estranho. A verdade
É que a realidade
É muito estranha.

Estou inserido
Em um circo de horrores,
Preciso comunicar
- E alguém me lerá
E dirá: "- Hei! Me sinto
Imerso em sonhos também..."

E eu direi: Obrigado. Agora sei
Que nunca estive sozinho...


II

Tenho a necessidade
Do belo quando sutilmente
Me expresso: toda poesia
Que escrevo é um belo
Pedido de ajuda... Tenho
Carências que ninguém pode
Matar, e é destas dores grandes
Que nasce a arte.

No fundo,
Quem se expõe
Só quer encontrar
Outros que se expõe
Também. Isso é a arte:

Uma carta em branco
Enviada a esmo
Pelo correio
Do tempo.

Dois pensamentos sobre a participação

I

Não sei se é
Mais forte o meu amor
Pela vida ou o meu medo
De morrer e me nulificar.
Não sei... O que me ocorre
É um sentimento de querer
Contribuir com o todo, com
A raça, com a essência
Da própria existência.
Contribuo: cada movimento
E cada clarão, cada suspiro
Ou cada sonho - cada molécula
Do que sou acrescenta experiência
À realidade nunca estática
Que me inunda e me cerca...

Se há um fim ou um
Começo no infinito
É que é um grande
Mistério.


II

Ativamente,
É com minha arte
Que contribuo
- Porém o faço
Naturalmente como quem
Se espreguiça ou respira
Ou sonha sem nem ao menos
Perceber o que faz.

Contribuo: conto,
Em poesias filosóficas,
Tudo o que registra
Minha mente pequena
E triste, meus olhos
Mais do que estáticos.
Contribuo... Escrevo o que
Sou, me exponho esperando
Que minha nudez atraia outras
Solidões amargas como a minha...

Eu  morrerei, mas minha arte
Viverá por mim.

Dois pensamentos constrangidos diante do todo

I

Seria um belo dia
De sol este que se abre,
Não fosse ele um belo
Dia de chuva fechada
Dentro de mim.
Não importa, tudo
É belo mesmo sendo
Feio, tudo me agrada
Em demasia mesmo quando
Me desagrada
- Nunca existiu alguém
Tão grato pelo tormento
Que sente: antes sentir
Dor do que sentir nada.

Deixem! Deixem, não as espantem:
Essas aves me devorarão ainda
Consciente, mas o que trarei nos olhos
Não poderemos chamar tristeza,
Pois que será leve e divino
Diante da morte... Obrigado.


II

Obrigado. Tudo o que vejo,
Consinto, experiencio ou beijo:
Tudo o que sou (e o que sou
É o que lembro) contribui
Para o crescimento atroz
Deste universo misteriosamente
Desenrolado. Planos! Planos
Que não enxergo, não suponho,
Sequer entendo... Planos...
Como pode a ordem dos fatos
Ocorrer com essa fluidez
Esmagadora? Como não sentir
Esperança e paz diante
Do caos?

Eu sou um rio carregado
De sedimentos da montanha,
E se eu corro para o mar
Que me abraçará é que,
No fundo, não há outra
Opção.

Três pensamentos sobre lealdade

I

Muito cedo
De uma manhã
Sem data, luz
Dourada toma o céu
E há brisas ondulando
Os matos: caminho,
Solene, observando o mundo
Com olhos atentos, fumando
Meus entorpecentes
Cigarros de solidão
- Até que este cão ruivo
E furtivo se interessa
Por meus passos e os segue.

Não o impeço,
Não o enxoto.
O que me toca, na verdade,
É saber que existe alguém
Sozinho o suficiente
Para querer minha companhia...
Obrigado, cão, e até
Nunca mais...


II

Ele pára
Em uma esquina
Desimportante e olha,
Com a atenção canina
Dos guardiões fiéis
E dos amantes devotados,
O ar qualquer que passa,
Olha o véu invisível e óbvio
Do que existe do outro lado
Da realidade: olha em um segundo
Tudo o que miro mas não consigo
Enxergar. Não sei o que viu...
Saiu correndo, farejando alegre
O mundo para nunca mais, senão
Em sonhos que falam sobre tudo
O que significa lealdade. Sigo,
Não dou atenção à vida que
Se desenrola... Obrigado,
Cão, e até nunca
Mais.


III

Por guiares
Meus passos bêbados
Como um amigo, por guiares
Meus passos pela manhã
Esnobe, sabendo que amanheci
Na festa, que amanheci sem ter
Anoitecido, que amanheci amargurado
Pelo meu amor de festa que não me ama,
Que amanheci pronto para a dor
De não haver dormido por não haver
Sono: obrigado, cão, e até nunca
Mais! Obrigado pela água que não
Te ofereci, pelos afagos que não
Te dei, pela poesia que me deste.

Obrigado, cão:
O que fica de ti não é
Bem um nome ou uma paixão,
É algo ancestral, contudo
- É algo que lembrarei
Enquanto houve
Calor em mim.

Dois pensamentos de amor em uma manhã silenciosa

A. Loise

I

Acordei
Bastante cedo
No dia de hoje.
Acordei como quem
Vê um clarão de luz
E não pode distinguir
Outras formas, pois
A claridade inunda tudo
E se ocupa de todos
Os espaços:

Acordei num salto,
Entre suspiros,
Fugido de um sonho bonito,
Jogado de volta ao meu corpo
Para me perceber meditando
Teu nome desde a primeira
Consciência do dia...

Alguns romantismos me são naturais
E  imutáveis e minha razão não é do tipo
Que costuma gerar lucros...


II

Te penso
Incessantemente,
Numa fixação absurda,
Maníaca, que me arrebenta
De dentro pra fora:

Te penso, mas nada
Te sei. Não me foi dado
Sequer saber de mim,
Que sei eu dos outros
E do mundo dos outros?

Sei o que minha alma
Sensibilíssima sente,
E o que ela sente quando
Te farejo perto é o ápice
Do gozo, é tudo o que preciso
Saber e me interessa - que tu
Sejas a sem passado: que tu
Sejas minha e minha melhor
Criação.