I
Os segundos, todos eles,
Parecem feitos de tédio bruto,
De rocha impossível, de solidão
Suspirante incapaz.
O que foi que houve
Que me parece tudo irreal?
(Daqui a pouco alguém salta
De trás de uma cortina etérea
E me confessa que toda
Existência é cena montada,
E os atores acenam, solícitos,
Para minha cara de paspalho conformado...)
Onde foi que esqueci o remédio
Suposto para me acordar?
II
Olho a árvore muito marrom-e-dourado
E sei que é Outono alto quem cala.
De onde veio tudo isso sob o sol ameno,
Essas pedrinhas, essas gramas,
Essas florzinhas ralas e aquelas
Nuvens de desgosto cinza e negro?
O cenário (que é tempestade anunciada
Num campo de ventos e folhas),
Que mão o pintou? Quem, dentre os mestres
De máquinas, ajustou todas estas funções?
Há tanto dentro e fora de mim, inacessível,
Que a resposta só pode estar escondida
Nas ramagens felizes e viris do mundo:
A vida a crescer sem causa ou razão...
III
Uma grande mesa, marrom e desgastada,
Perdida num salão de penumbras alegóricas
Com suas seis cadeiras verde-pera morto
- Num canto da cabeceira esquecida, eu:
Uma caneta incerta na mão alta, um fumo
Bom na mão canhota, lançando um fio fino
De fumaça para inundar tudo o que há...
Uma palavra rabiscada, dúzias de dúvidas
Nas sobrancelhas pesadas de sombras
Borradas. Pouca luz ao redor do corpo,
Nariz de germânico triste, olheiras...
Faltava, nesta cena, fogo de lareira, uma cadela
- Taça de vinho derrubada ao descaso:
Que pintura lindíssima qualquer vida humana.
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