quinta-feira, janeiro 31

Dois pensamentos sobre a Morte

I

A morte é um exagero.
É um exagero e não sei
O que escrever ao certo
Sobre ela: tudo já foi dito,
Mas tudo é mera opinião.

Não posso, porque não é possível,
Falar sobre a morte, porque falar
Sobre a morte é falar sobre
A vida e o medo de perder,
E falar sobre a vida e o medo
De perder é divagar, e divagar
É perder a vida, mas não o medo.

Não! Quero mais é viver,
Viver como um animal selvagem
Correndo campinas e vales,
Viver como um animal em êxtase,
Deixando que a morte chegue
Como chega o sono em quem
Está cansado, porém não pensa
Em dormir e, afinal, dorme:

Quero morrer
De viver
Demais.


II

Tudo o que deixarei
Aqui e incompleto,
Todas as frases
Por dizer e não ditas,
Não ver mais os seios
Do meu amor e não mais
Saber calor na luz do sol:

Todo o medo que há
É medo de perder,
E temer a morte
É temer todas as perdas
Ao mesmo tempo.

Sossega, meu coração,
Que a verdade é que
Nada nos pertence,
Então nada nos importa.
Deixo ao universo
Suas próprias preocupações:
Viver é piscar os olhos.

sexta-feira, janeiro 25

Ode à vida animal e vegetal

É quando eu percebo que nada
Sei que percebo também
O quanto animal que eu sou,
E me constrange a minha fome
E a minha dor e o meu desejo.

Não posso com isso: ser humano
É apenas ter um nome e dar nome
Às coisas todas que rotulam os próprios
E os alheios pensamentos. Mas penso,
E se penso sou humano,
E me contradigo
E já não quero
Pensar, que pensar
É doença
Infrutífera.

Eu, um cavalo: equipo rédeas
Em mim mesmo.
Eu, um cão: me torno íntimo
Da focinheira da vontade
E do silêncio.
Eu, animal domado pelo chicote
Lindo da vida,
Já não temo nada.


II

Que lindas
As árvores
Que só vivem
Para os outros
Suas vidas vãs.

A árvore é o último
Estágio, é viver
Em cópula e romance
Com todos os deuses,
É ser abençoado
Infinitamente por gozar
Do sol e da chuva e da neve
Sem questionar; ser árvore
É ser simplesmente:

Todas
Árvores
São lindos
Budas.

sexta-feira, janeiro 18

Ode à saudade que não morre

Para A. L.

I

Eu me perdi
Na mata,
Eu me perdi
Quando procurava
Uma flor desfalecida
Para te presentear,
Quando levava a vida
Nos lábios que te pronunciavam
E sombras frescas na algibeira
E pés descalços por humildade,
Eu me perdi na mata
- Pois todas as flores ao sol
Tem o teu perfume morno,
Pois a terra tem o gosto
Da tua pele primordial
E os polens que flutuam
Sua a tua fertilidade:

Senti nas mãos
Tuas coxas úmidas
Quando toquei de leve
O rio.

II


Perdido
Na mata
Ouço tua voz
Que me chama
Por todos os lados
- És o canto de pássaros
Simplórios e o riso
Largo das corredeiras
E das cascatas. Perdido
(De mim mesmo) na mata,
Imprimo em toda e qualquer
Coisa a saudade
Que sinto: e todas árvores
São tua cintura quando as toco,
E teu seio é que repousa maduro
Nas frutas que pendem à minha
Boca e todas as pedras robustas
E esnobes que vejo são a tua
Teimosia transfigurada e com musgos
À beira dos caminhos.

E, no final, não existe rejeição real:
Não me podes negar teu corpo, pois
Que teu corpo é todas as coisas
Que aqui estão para minhas mãos
E meus lábios.

Ode ao Tédio

I

Acordar,
Dia após dia,
Escovar
Infinitamente
Os dentes,
Comer para sentir
Fome novamente,
Caminhar e caminhar,
Mais e mais,
Mais de tudo,
Menos daquilo,
Desejos, tristezas,
Encontros que acabam
Em despedidas:

A vida é um ciclo
De diferentes coisas
Iguais. Até que não
Acordemos mais,
Nem escovemos os dentes,
Nem comamos ou sintamos
Fome ou desejo ou tristeza.
Movimento eterno até que haja
Repouso eterno, inércia de ser.

II

Às vezes,
Penso que ganhei
De presente
Uma bomba,

E tudo o que
Cabe em mim
É o sentimento
De não saber
Ao certo
Como agradecer:

Eu sou um sorriso
Fraco e amarelo

quinta-feira, janeiro 10

04.01.2013

I

Medo,
Ter medo
É degradante.
Eu realmente
Não quero ter medo,
Mas o medo não é
Algo que se tem, é
Algo que se sente.

Cesso, enfim, o eu
Que há em todos
Que sou, e a vida
Já não é importante,
E sentir já não faz
Sentido - pois que acordei
Aqui para ser o santo
Que já sou, pois que nasci
Para o silêncio da contemplação,
E quem contempla não deve
Sentir medo, senão o medo
De sentir medo.

II

Meu batismo
Foi de luz
No meio da mata,
Meu batismo foi
De luz e a lua
O executou.

Meu batismo
Foi de luz,
Foi de luz
De prata,
Meu batismo
Foi de luz
E agora só resta
Esta minha religião:

Observo e aprendo
Com a mata e os seres
Da mata e com o homem
Avesso ao homem.
Eu cresço e sou o deus
De mim mesmo.

terça-feira, janeiro 8

Ode Felina

I

Só há duas formas
De sentir verdadeiramente
Tudo o que há
E existe e nos cerca:
Saber tudo ou saber nada.
Não suponho meio termo,
Pois que no fim ambas
Coisas são a mesma coisa,
E o nome disso é não
Se preocupar. Eu não
Me preocupo, pois que
Já sei de tudo o que
Preciso saber: eu sei
Tudo, e isso me leva
A viver, a andar, a escrever
Como um animal maravilhoso,
Como o felino individual,
Descansado e indiferente
Sobre a mobília do mundo.


II

Haja a vida que haja,
É pouca, quero mais:
E vou deixar meu instinto
Copular com meu medo
Para que nada seja freio
E tudo seja impulso
Para quando eu perseguir
A realidade - seja ela
Um reflexo de luzes despidas
Nas paredes nuas do destino.


07.01.2013