sábado, outubro 27

Ode tristíssimo de um dia chuvoso

I

Recoberto
De máscaras de prazer,
Entranhado, na verdade,
Em uma catatonia sentimental
Sem sentido, fujo do meu lar
Em uma tarde cinzenta
Galopando cavalos de vento.
O que é isso que me toma
E me força a olhar o chão enquanto
Ando nas ruas de pessoas apressadas?
O que é isso?
Não faço a barba por dias
E me refugio da dor no fato
De haverem cheiros e pelos
De humano em meu corpo:
Eu estou mudando de pele?


II

Encontro abrigo contra o clima
De mim mesmo em uma construção
Abandonada qualquer, e logo começa
A chover. Tenho fome. Uso drogas
De tristeza. Eu sou um abandonado
Qualquer: a quem recorrerei, senão
Ao deus que sou, quando o dilúvio começar?


III

A água que desceu
Do céu
Não desceu
Como água
Simplesmente:
Era um corpo
Único, horizonte
E firmamento,
Uma tonelada
De lágrimas
De deuses
Esquecidos.

Das abas do telhado
Do meu refúgio inacabado
Tamborilam gotas mais lentas
E mais grossas. Tenho sono.
Tenho sono e fome e a umidade
Parece me queimar. Fumo mais,
Esperançoso de acordar, mas a fumaça
Só sabe me fazer chorar os olhos.
Eu durmo, triste, e dormirei
Até alguma goteira
Me rachar a cabeça.


IV

Penso
Ter sonhado
Alguma vez
Com algo de pureza
Palpável,
Com perfumes apaziguadores
E estéticas completamente
Harmoniosas, mas quando tudo
Vai bem surge a dor como uma faca
Preta cravada no estômago.

Eu sou um tarado
Completamente desesperado
E nervoso e onipotente
Devorador do meu próprio
Sêmen - eu sou Cronos
Aborrecido em sua prisão
De memórias imortais.


V

Quando surgir a luz
Tudo estará mais claro,
Mas nada será óbvio:
É função da chuva
Limpar as mentes,
É função do sol
Cegar os olhos.

E a verdadeira
Ilusão, quem é
Que revela?

Perdi a vida
Procurando formas
Em nuvens.

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