quarta-feira, junho 26

Um pensamento sobre não saber nada.

A treva inusitada
Que se abate sobre
Mim não é em nada
Discreta ou leve: é como
A essência da noite maior,
Como a própria alma da escuridão,
Irradiada de sombras bailarinas,
Superpopulada de estéticas insones...

Em nada
Do seu todo
Ela é leve ou discreta,
Ao contrário, é profunda
E natural e me condena sabiamente
Ao espanto de perceber que estou
Sozinho no escuro ao qual nenhuma
Luz pode dominar. Ah, essa treva é o prenuncio
Do breu total que está por vir e do qual
Eu não posso me livrar! A escuridão da qual
Ninguém pode fugir, a escuridão que vem para
Engolir a tudo e não se chama morte, porém ignorância.
Eu sou o ignorante maior que há, e saber isso é como
Uma carne se rasgando em mim e me causando
Hemorragias impossíveis de serem estancadas...

Não decifro,
Em meus gestos pequenos,
Utilidade qualquer para qualquer
Coisa que me cerque nesta realidade:
Se tomo em mãos uma pedra e penso
Como é possível que seja palpável e estranha
Como é, ou se cheiro uma flor ou observo
Um inseto que se perde em matas de um jardim
É esta a dor que há em mim e me desloca de tudo,
A dor que não me permite participar da felicidade
Alheia e que me dá desgosto em tudo aquilo
Que eu penso, dor inexplicável de não saber
Nada da matéria presente ou do espírito suposto.

Onde procurar? Dentro de mim mesmo
Existe um mar salgado que devora
Todas as possibilidades do que planejo
Como uma embarcação de marinheiros
Felizes por estarem retornando à casa,
Porém nunca chegarão: minhas perspectivas
Foram levadas ao fundo das ondas raivosas
Onde morreram, e em breve boiarão
Até a decomposição necessária
De tudo o que existe.

O que me resta?
Me cansam as suposições
E opiniões dos grandes gurus
E dos autoproclamados príncipes:
Escolho para mim,
Por ser meu direito inegável,
O silêncio como asas que me levem
A um lugar infinito e denso
Onde deus se chama
Serenidade...

domingo, junho 23

Elegia de um bêbado ferido

Consciência absurda
De haver luz e matéria
No possível caminho:
Anseias por algo que não
Existe senão na tua doce
Capacidade de sonhar!
E te arrastas por ruas
Inimigas, seguido por sombras,
Lacaio e carrasco de ti mesmo,
Trôpego, atrativo ao olhar infame
Dos zombeteiros de plantão. Ai!
Ai, criatura solitária, onde foi que
Te machucaram com violências
Desnecessárias para que manques
Qual um aleijado de nascença?

Bem se vê que estás ferido, manchado
De sangue teu fato, respingado de urina
Teus sapatos de pobre. Nada é útil nesta
Rotina incessante que só pode acabar
Em morte, pois que a morte é o final
De todas as coisas: por isso é que bebes
Todas as bebidas entontecedoras do mundo
Com a voracidade de um rapaz virgem
Nas tetas de uma prostituta velha e má.
Estás bêbado! Bêbado de ti mesmo
Enquanto caminhas por estas ruas
Inimigas, enquanto tateias os bolsos
À procura do maço de cigarros amassado
Que já fumaste todo, mas não te lembras.

Bem se vê! Estás realmente ferido! Ai!
Levaste uma facada impiedosa e legítima
E do ferimento cruel jorrou purabebedeira!
Ai, as expectativas te traíram em um beco escuro
E com uma lâmina de fio preparado foi degolado
O teu futuro, todavia ainda assim tu vagas pelo mundo
Como quem esteve em uma festa até o sol raiar
E pretende voltar pra casa enquanto é guiado
Pela embriaguez de pés que dançaram a noite toda
E agora estão cansados, muito cansados e não sabem
Ao certo qual o caminho que devem seguir por seguir...

Estás ferido, mas deixe estar! Caminha o quanto podes,
Queima o todo de ti que a tua ainda hemorrágica persistência
Permitir, esgasse o mundo à força para encaixar todas as peças:
Só não morra antes da hora, caminhe! Quando o momento chegar
Sem mistério ou dificuldade, acharás um canto qualquer no espaço
Onde te deitarás enfim e deixarás, exausto, que as coisas se ajustem
Por elas próprias.

sábado, junho 22

Dois pensamentos engasgados

I

As coisas todas
Que eu preciso dizer
Porém não digo
Me descem atravessadas
A garganta como um gole
De água mal bebido.
As coisas todas
Que eu preciso dizer
Como um suspiro
De alívio instantâneo,
As coisas que eu, contudo,
Não digo, ah,  me são um peso
Que só cresce sobre si mesmo
E se acumula incessantemente,
Gota a gota, na cisterna de mim mesmo.

Água infiltrada de meus sentimentos úmidos,
Bolores e mofos de meu ser entregue
À solidão dos cantos e das rachaduras,
Degeneração que só cresce alimentada
Pela solidão que eu sinto por não ter ninguém
Para expor os sentidos do meu nexo
E minhas ânsias de macaco esperto:

Não existe a possibilidade de estar acordado
Sem ser solitário! A senciência dos seres meus
Irmãos sempre destaca a solidão que existe
No pensar e digerir a realidade que nos cerca,
Mas não sabemos desde onde ou quando!
Ah, as coisas que eu quero e preciso dizer,
Mas não digo por não saber como: Ah,
As coisas que eu queria dizer são o veneno
Que eu beberei para morrer e me aquietar...


II

Não direi
Que o silêncio
Me estrangula
Como dedos longos
De duas mãos frias e brancas
Chamadas morte e haver de morrer...
Não direi!

Não direi. O silêncio
É natural como o final
Da vida. O silêncio
É natural como
O silêncio do final
Da vida. O final
É natural como
O começo...

Haja um hálito
Qualquer em mim
E tudo o que poderei
Fazer é agradecer
Silenciosamente
Como os animais
E as plantas a dádiva
De viver e morrer.