terça-feira, julho 31

Eu entendi na luz dos teus olhos,
Mulher dura, velha da cor da terra
Grave, o que é a lição do jardineiro
Que ama e cultiva e não desespera

(Na lida, brusca como a rocha nova,
Ou no verde fresco que é verão perdido,
O jardineiro é o neutro que existe,
Como o animal que se põe consciente,

Mas não questiona o cosmo
Inabalável e o colossal frio agônico):
O jardineiro é o neutro que existe.

A cor dormente e madura de flores
Horrendas de pensar, o tesão recolhido:
O jardineiro é o neutro que existe.

segunda-feira, julho 30

O homem
Só sabe
Daquilo
Que viveu.

Eu estive
No fundo
Do poço,
E na água
E na lama
Vislumbrei
Uma verdade
Deliciosamente
Perdida e refrescante,
Como uma brisa vinda de cima:

Ouçam,
Amigos,
Pois me sujei
Nas profundezas
Resvaladas em sombras
Inconfessáveis e monótonas,
Eu vi a face da morte desmascarada
E descobri que só morre aquele que em vida
Não vive, só se afoga aquele que desiste
De nadar. Ouçam, camaradas válidos
- Pois é válido todo hálito
E todo o sentimento,
É válido todo o sentido -
Eu estive à beira de um tempo
Sem volta, mas um suspiro
Me salvou os lábios,
Um orvalho me valeu
Os olhos, ouçam:
Há uma música
Que completa
E acalma
A alma
Viva...

Ouçam!
Sempre
Há música
Para quem
Estiver pronto
Para, sereno, ouvir...

Ouçam,
Pois a morte
- Que virá -
Não é senão
O silêncio eterno.

sexta-feira, julho 27


Minha agonia
É não entender:
Não sei o que se passa,
Como se agregam as partículas
De existir, como se disseminam
A burrice e o extremismo nesse mundo.
Minha agonia é ver que todos são crianças,
E que poucos homens abrem de fato os olhos
Para tudo isso que nos cerca e que só pode ser
Um teste. Ah, se isso não for um teste de um deus
Ou de uma máquina ou de uma loucura qualquer,
Que tristeza, que tristeza seria haver consciência!

Ah, vontade enorme do meu ser, sobrepujai tudo isso,
Como a onda enorme que invade as terras secas em fúria,
Como a onda enorme que virá para destruir tudo e possibilitar
Recomeço! A enorme onda que afogará de vez todas as mágoas e crises
Para que renasçamos em outras frequências e, ao menos, busquemos algo
De pureza, sabedoria e amor. Façamos disso um sentido, no recomeço...

Ah, vontade que é o único deus e que é o deus de poucos, pois poucos
Entendem, me mostra a tua verdadeira face, a tua multiplicidade verdadeira
Sancionada em êxtases e memórias de prazeres inabaláveis, me mostra a tua
Face coroada de esplendores instintivos e inerentes à raça humana, me mostra
A face da besta e o deleite de ser um animal e servir somente às vontades naturais!
E façamos disso um sentido, no recomeço... E da compreensão e da busca eterna por compreender
Façamos um emblema que será exibido aos míseros como um exemplo e um convite magistral,
E todo aquele que quiser crescer, crescerá.

Ah, vontade, Me consuma! Me consuma em teu serviço atroz! Queime o meu corpo
Na fogueira das liberdades maduríssimas e conscientes de si mesmas,
Entalhe a minha alma nas oficinas de artes sublimes e de segredos necessários,
sobre as mesas dos mestres e sob os olhos dos discípulos,
E me deixe ser um exemplo de humildade enquanto és o exemplo
De toda a misericórdia que há:

Me consuma
Até a ruina,
Que desmoronarei
Impiedosamente silencioso
Sobre o chão do destino que é meu,
E me dissolverei em líquidos felizes,
Gigantescamente felizes e conformados,
Para depois evaporar e voltar ao centro
Do corpo curvado
Do céu estrelado
Que é minha casa.

domingo, julho 22

A saudade
Que sinto
Do teu corpo é a felicidade atônita
De quem não conhece o gosto,
Mas
Se apaixona cruelmente
Pelo paladar primeiro que invade
As papilas da mente.
A saudade que sinto do teu corpo
É a ausência dos ventos na primavera,
A ociosidade dos polens que flutuam leves
Em fertilizações deveras despreocupadas
Na luz de um sol morno e indigente.

A saudade que sinto
É uma coisa qualquer que rasga
A pele pedante,
É a falta das obscenidades
Inocentes que só são corretas
Na tua carne fresca e pálida,
O desespero desencontrado
Da matéria que ferve e anseia
Penetrar mais profundo no âmago
De outra matéria - a saudade
Que sinto do teu corpo
É saudade de ser uno com tudo!

É a incompetência das almas
Que não se completam, mas
Se esvaziam por um instante
De si mesmas e de tudo ao redor,
No esforço divino de preencher
O outro ser em amores bruscos
E gemidos improvisados.
É o mistério cínico
Do desejo que não
É absoluto, mas imensidão...
Ah, minha saudade é um universo!

A saudade que sinto do teu corpo
É tudo o que tenho, é tudo o que sou.
A saudade que sinto do teu corpo
É a saudade que sinto de mim mesmo
E de todas as outras coisas que não conheci
- Pois que não sei quem és e não sei se sou...

O que sei é que a saudade que sinto do teu corpo
É a labuta mais bela de todas, é a arte! É a vida!
A saudade que sinto
É uma paz que vem
Da dignidade imensurável
De me sentir em ti, como um todo,
Completo:
A saudade
- Que sinto
E não nego -
É a vontade
De ser estrela
E queimar alto
Noite a dentro,
Dia a fora...

sexta-feira, julho 20

Alvejado por ventos crispados
De chuvas monótonas e vazias,
Luzes de cores de outono
Debruçadas numa janela qualquer,
Vislumbro um céu que já não é
O mesmo céu que havia
Segundos atrás.

O que se perdeu de meus olhos
Atentos, se a estética dessa unidade
Que é firmamento e nuvens,
Águas marítimas e planície abandonada
Já não me diz tanto quanto me dizia
Antes? O cinza que tomou todo o espaço
É o cinza que cuspi de dentro do peito,
Pois há desespero na paisagem
Tanto quanto há desespero em mim
- E ambos mudos, como quando a mínima
Vibração seria capaz de causar
Um desmoronamento de proporções
Catastróficas, como quando a palavra
Exita com medo de que tremam os lábios
Ou soluce a essência que em nós pensa...

O que se perdeu, afinal, se perdeu de meus olhos?
Onde se escondeu a ternura que era sol imenso
De minutos passados e perfumes quentes?
Ah, sempre a mesma mania, esteja eu na varanda
Fresca ou no porão mofado, esteja inutilmente sozinho
Ou acompanhado dos inúteis:
É a mim que pertence a culpa,
É minha a fuga e o modelo de toda agonia
Que se pinta na paisagem pouco expressiva.

Ramagens frias, ocaso de pouco calor, vaga
E falsa simplicidade das flores que teimam
Em me sensibilizar arqueadas ao vento:
Que verbo de poesia úmida
Materializou tanta beleza e tanta crueldade,
Que esta enorme e impotente simetria
Não cansa de me torturar?

De nada eu participo,
E o tédio é a única natureza
(Morta)
A ser vislumbrada
Desta janela.

domingo, julho 15

No descampado aberto e fresco
Da mente que tanto vislumbra,
Me pergunto sobre a arte
E sua necessidade. A arte
Que lapida a minha vida,
A arte que é minha filosofia
e que desafia as razões de ser
Tão raso, tão raso e ralo!

Ah, ser humano, que mundo
Almejas quando cantas?
Quais corpos crias nas tantas pedras
Frias das estátuas eretas que são tua
Imagem e semelhança? Que quer
Teu corpo quando dança, quem é que
Desafias quando dizes em palavras
De poesias que a tua vida vale tanto
Que até pranto causa? Que ar respiras
Na pausa das melodias que transpiram
O silêncio arrebatador da inspiração?
Ai, coração recheado de linda leveza,
Mas farto dos dias maciços, entende!

Ah, arte que não é meu ego, mas meu lapidar
Interno, fuga de todas hipocrisias, me explica
Qual mágica tu crias que em ti me apego, me diz
De qual inferno causticante me ajudas a escapar!
Tu que não julgas nem cansas, por mais que cante
Meu lábio desafinado de orelhas mudas,
Tu que não te importas com rima e metro
Inconsequente, arte sem filha ou neto
Presente, arte estéril, mas que tanto cria
- Tu és como a elegante tia que faz doces
E acalentas, sejam dúvidas, sejam amores...

Vieste de outro plano,
Onde a perfeição vive
Majestosa na prática,
Onde tudo convém
Em forma e cor.

quinta-feira, julho 12

Manto escuro da noite.
De longe, muito longe,
Presumo a lúcida aparição
De deuses inimagináveis,
De almas escandalosas
E fosfóreas, de naves
Ou ciências que expliquem
O que fazemos aqui.
A cena é a monotonia
Daqueles que pensam
E morrem de solidão.
Eu morro de solidão...

Mas é através das indagações
Da solidão da minha poesia,
Espontânea e despreparada,
Que vou dissecar a existência,
Que vou filosofar sem estudos
Acadêmicos e debater comigo
Mesmo, sendo mestre e aprendiz
Das artes mais sutis que existem
E que não podem ser dominadas
- Tudo em mim são opiniões!

Mas e daí? Tudo em todos
É opinião. Sortudo é quem
Tem fé e ignorância, ou sabedoria,
Em quantidades suficientes para estar
Certo neste mundo que não ama
Ninguém e não pede para ser amado
De volta... Ah, o mundo é uma puta!
Uma puta escandalosa e linda, linda,
Tão linda que chega a causar dores
E náuseas de ciúme! Quem não quer
O mundo? E ter o mundo é entender
O mundo, como se entende um amante
indiferente e distante de tudo que é nosso...

Pois é isto o mundo: um amante egoísta
Que procura satisfazer a si somente
Na voragem do sexo que não cessa
E que por fim cansa, no desagrado
Contundente de um carinho forçado
Que por fim machuca! Um amante vulgar
Que só sabe ofertar sua beleza obscena
E seus ataques de histeria e que, mesmo
Assim, nos fascina mais do que qualquer
Outra imagem coroada de castidade e luz.

Manto escuro da noite,
E em meus pensamentos eu me perco,
Porque tudo que penso são ondas,
E, nesta ressaca de marés sem fim,
Eu já nem sei sobre o que escrevia...

quarta-feira, julho 11


Tenho vergonha de ter esperanças e ilusões
Neste mundo de materialismos.
Tenho vergonha como quem vai falar às moças
E teme que lhe zombem o traje e o trejeito.
Tenho vergonha, embaraçosa, pois um dia
- Um dia que não será um dia, mas um momento -
Todos saberão o que eu sinto, e eu sentirei
O que todos são, afinal. Grande vergonha
Da unidade desnudada que tudo é,
Da unidade desnudada que é deus
Nos homens e nas pedras e nas constelações.
Grande vergonha de não querer ser parte
De tudo isso, mas um ser único e independente
E capaz daquilo que quiser, sem nada a impedir.
Tenho... tenho muita vergonha de ser quem sou,
E o que sou é vocês tagarelando, vocês amando
Falsamente, labutando qual touros e definhando tal cães,
Com o mistério supremo farejado abaixo das narinas,
Porém indetectado como qualquer ideia banal inexistente,
Com a grande sopa universal boiando invisível sem matar
A fome que se sente, porque não a comem.
Vergonha de sofrer de verso livre e de liberdades
Impraticáveis de tão profundas, vergonha de respirar
Ar puro...

Soltem os leões do destino no estádio das consciências
E deixem que devorem com prazer esta carne que nada
Tem a oferecer senão mágoas e arrependimentos natos,
Senão vergonhas de haver encarnado e de precisar partir
Sem nada concluir, pois a única conclusão é o sono que virá.
Sentado,
Iluminado
Por luzes
Que não sei,
Decidi que vou escrever
Sobre verdades sublimes
Por me pertencerem,
Pois é esta e não outra
A minha
Vontade
Suprema.

Sentado.
E não há
Necessidade
De muito mais
Do que a abrupta,
A dilacerante e inexplicável
Vontade
- Vontade
De ser enorme
De ser rei entre homens,
De brilhar por brilhar apenas,
Como uma estrela que se consome:
Me disseram que poderia fazer
Aquilo que quisesse, desde que
Suportasse sobre mim o peso enorme
Que é
Eu e minhas escolhas.

Sentado,
É o que vou fazer:
Escolhas.
Vou escolher
Ser,
E seguir com maestria
O meu verdadeiro eu.
Sentado,
Pois o movimento
Maior que há,
Não se enganem,
Não é o do corpo.

Sentado,
Porque em pé me canso,
E não existe outro propósito
Senão amar e celebrar aquilo
Que em nós experimenta e pensa.

sábado, julho 7

I

Na hora indecifrável da aurora,
Todo o vento que se agita no mar cessa
E se deita nas ondas para vislumbrar o signo
Maior que nasce. E o mistério que há em mim
É composto pelo mesmo material radioativo,
Pelo mesmo ouro em calda, o mesmo cheiro
De maré aquecida - toda matéria em tudo,
Tudo em toda matéria.

Se assim, porque então me perco e me descontrolo
Quando me sinto desconectado daquilo que é minha
Origem? É que sei que deus não é o velho da barba branca?

É que sei que deus não é o velho da barba branca...


II

Por que é
Que eu fui
Me apaixonar
Pelo frio
E pelo escuro
Estáticos,
Apáticos,
Que surgem
Do manto da noite?

Por que é meu
Destino amar
O mármore
Profundo das nuvens
E o ouro incerto
E delicado do sol
De Abril?

Quem me entalhou
Estas sensibilidades?
Sou curioso
Sobre as mãos
Do artista:
É deus essa sensação
Pulsante, ânsia de viver
Do animal abatido,

Ou o tédio
Enorme
Só existe
Para nada?

A ideia
De inexistir
Na morte
Me parece
Cada vez
Menos
Palpável...

Eu vou me submeter,
Com dignidade,
À escuridão
Que é necessária
E ao silêncio
Que é virtude...

quarta-feira, julho 4

Coração tão colorido, cerzido nas linhas finas
Da curiosidade que a tudo engloba e apregoa,
Por que te torturas assim, sem fim, rasgando
Em tiras tuas fibras de tão bom grado, alucinado
Em desesperos de fidelidade inexistente, ilusões
De cheiro certeiro e vão de amor ausente?

Às forças que me compõe e sustentam, dignamente,
Na inutilidade do presente, peço perdão
- Pára, meu coração, de bater assim por ânsia,
Lembra é da infância que te iluminou, onde tudo
Havia para amar, mudo, sem nada questionar.

Não saber o que não se sabe é única paz que há.

segunda-feira, julho 2

Eu disse, surreal e esperançoso,
Que havia um poema entre nós,
Entre nossos corpos desencontrados
Mas íntimos, um poema longo de se ler

Com os dedos, desesperados cegos.
De onde vem esse perfume alucinado,
Essa rima branca de versos que sei de cor
Não os tendo lido ainda, páginas adivinhadas?

Ah, poesia sem métrica, porém com ritmo intenso,
Teu gosto incessante e esperado é o que guarda
Meu sono, livro da cabeceira dos meus dias!

Vem, Isabela, que há páginas inda vazias
E sutis a serem preenchidas, que há lirismo doce
Na minha boca de carícias para te suavizar a vida.