sábado, junho 30


Quero tanto as tantas coisas impronunciáveis que me cercam!
Mas as quero tanto e são tantas que sua pressão incalculável
Me esmaga e me condensa e já não faço nada senão inércias.
Quem, em qualquer lugar, pra me ensinar a prática da vontade?

Quero tanto as todas coisas que não posso querer porque não
Me cabem, porque não me definem e não me sugerem nunca,
Mas as quero num egoísmo tamanho e mesquinho e vilanesco
Que então nunca jamais as poderia ter em mãos minhas tristes.

Quero tudo o que há, mas tudo o que há é peso sob meu ombro,
Tudo o que há me torna o grão mais minúsculo sustentando o sol
Mais imenso - a solidão humana  de ser, a tristeza de existir e ver

E nada poder tocar. Voo magnífico da ave, paz discreta do peixe
Submerso, glória do felino indiferente a tudo que pode ignorar:
Porque é que não vim ao mundo com a vossa leve simplicidade?

O que é a empatia
Senão uma concentração imensa,
O foco supremo de toda a vida pulsante
Que procura nos outros a si mesma?

E eu, tão desnorteado por me prender
Aos detalhes inumeráveis de todo esse universo
Que me rodeia, me desesperando por não entender
- Nem ao menos vislumbrar - a mínima fração de tudo!

Porque é que agonizo assim diante das impossibilidades,
Se a ignorância humana é a ordem natural das coisas,
Se a solidão é o caminho único para qualquer luz?

Amar ao destino e ter fé - em si mesmo - é o remédio.
Eu é que sou a verdade, e o entendimento real é instinto:
Deus perdoa a tudo somente porque tudo é deus.

sexta-feira, junho 29


Submerso
No silêncio pacífico e intangível
De uma piscina solitária,
Deixo que a água fria
Seja o remédio que há
Para todos os desconcertos
De existir.

Amor fati,
Eu penso,
Inserido
Na transparência
De um mundo mais simples,
No desespero das bolhas
Que correm à superfície
Fugindo de meus pulmões condenados.
O que fazer, afinal, além de resignar?
Haverá uma hora sequiosa de viver
Em que nada poderei senão inexistir.

Amor fati,
Me disse o filósofo maior,
Amor fati, que o mundo
Surra aqueles que não se curvam,
Que o futuro arrasta
Quem não vai de bom grado...
Amor fati,
Porque destino
Não é senão
Aquilo que acontece.

E eu,
Gaguejado eu,
Eu,
Eu...
Que ridículo é o ego!
Quanta coisa se pensa
Em tão pouco tempo...
Não quero é morrer
Sem respirar.
Amor fati,
Porque sou minúsculo
E sou imenso, desde que
Saiba que tudo o que vem
É o inevitável...

E me ponho
A nadar.

quarta-feira, junho 27

Flor,
Flor imensa
Que encontrei
Desabrochada
No pasto da vida,
Que lua te banhou,
Que orvalho tu bebeste
Para ser assim tão cândida
E tão resplandecente ao sol?

Perdida,
Perdida estiveste,
Já pronta, mas não
Colhida, já bem sabida
Mas não testada. Quais mãos,
Quais mãos tremeram ao te colher
Que nem sabias? Quais olhos ao te ver
Lacrimejaram todas as lágrimas, belíssimo
Orvalho gigante, cauteloso e despido dos dias?

És a camélia,
És a camélia mais pura,
Rainha coroada, flora sofrida!
Que raízes fortes as tuas, emaranhadas
Ao peso inacessível e bruto do vento anormal,
Do vento anormal e triste de te tentar arrancar e não,
Não, nunca ter sucesso! És a flor branca, o polido inverso
Da escuridão que julgavas tua, porém jamais te pertenceu.
És a flor dos dias, dos dias que nunca nasceram e nunca morrerão.

Pétala,
Pétala por
Pétala te farei
Minha, pois que sou
O jardineiro persistente,
O arado inabalável e delicado,
A sensação de querer e libertar:
Que a tua presença, ornamental, lúcida,
Não fuja dos meus olhos, mas possa sempre voltar.

segunda-feira, junho 25

Ignorante à sedução milagrosa
De uma madrugada de ventos,
O que poderia satisfazer
Mais a fundo o meu ego
Do que a tua presença?

Tudo mais é estático
Onde tu te moves felina.
Cada sorriso teu é um tiro
Que eu levo, e teu perfume
Morno é mais palpável que
Meu sangue esvaindo litros.

Nada posso contra o teu olhar,
Medusa sexual nostálgica,
E quando falas macio eu
Morro dentro de mim,
Agonia muda e excitada de si
Mesma. Teus cabelos de hera

(Venenosa) inibiram meu veio,
Sufocaram minha boca, ataram
Meu falo. Teus cabelos de hera
(Venenosa) tem a cor de um
Orgasmo, mas já não há no teu
Corpo nada que sustente o meu.

Quem,
No plano inteiro
Da existência toda,
Te permitiu ter o sorriso
Da fêmea madura hipnótica,
Da deusa das sombras e fogos,
Da aurora quando resplandece enorme?


Tu és o perfume de todos os corpos atônitos
A doçura escaldante dos felinos indiferentes,
A mudez das santas carnais e femininas,
A ideia primeira de todas as mães amantes.
Teus seios são relâmpagos e trovões,
A luz engasgada na engrenagem das consciências.
Tu és filha dos feitiços e sortilégios, madrinha
Deliciosa da persuasão perversa e cínica...
Tens meus olhos, meu ventre e meu coração
Em tuas ambas mãos minúsculas e pálidas,
Em tuas mãos de oliveiras maliciosas e perdidas.


Aceita, rainha, este corpo poético
Em sacrifício humilde, mas poderoso.
Aceita, senhora, este corpo imenso
Que quer ousar nas tuas carnes;
Aceita, amor, esta ligeira gentileza,
Que tudo que sei são canduras e monotonias.

sábado, junho 23

Eu alvoreço.
Tu alvoreces.
Ele alvorece,
Em meio a esse
alvoroço.

Viver?
Melhor é não levantar
Antes do almoço.
Viver é um desperdício!
Eu adormeço...

As outras pessoas não.

sexta-feira, junho 22

Soneto Oculto

A inocência incontida, desarmônico ego,
Tão dolorida pela imagem leviana criada,
Sufocada em torturas negras e materialistas,
Nâo passa de ignorância faminta e muito cega.

São sonhos tristes que não existem, porém eu me apego!
Utopias (somente) da carne quente que não viu nada!
Loucuras festeiras! Um baile de vis vestidos e fitas,
Corpo das moças bonitas que tanto se quer, mas se nega.

Vida pouco importante, tão deslocada de si mesma,
Que véu disforme é esse que te cobre os olhos nus?
Quem te tampou o poço enorme de todos os mistérios?

Percebes que és touro, águia, leão e também lesma?
A chave de ouro atroz do saber que eu me impus
Será a bênção de salvação dos meus argumentos sérios...

segunda-feira, junho 18

Invasores


Algumas correntes são mais difíceis de romper do que outras, mesmo quando se tem a ferramenta correta, mesmo quando já se fez isso mil vezes. Odeio quando eles compram correntes de qualidade - às vezes, quase me fazem desistir. Havia silêncio em volta, e o silêncio, quanto mais profundo, mais tensão parece causar. Eu suava. Nenhum vento soprava, de forma que nem mesmo o farfalhar das árvores existia. Tudo no universo, naquele instante, era eu, a corrente e o suor traçando um caminho pouco linear em meu rosto, porém sempre achando a curva aguda do meu queixo e pingando ao chão  - acabaria me dissolvendo em esforços. Então, eu ouvi algo que geralmente não é audível: o barulho estalado e seco de um cigarro queimando. No mílésimo de segundo seguinte, um pequeno ponto de luz avermelhada ao meu lado, denunciando, na escuridão, a presença de meu amigo. Eu quase havia me esquecido que ele estava ali. Foquei no meu trabalho novamente.
- Trouxe os sprays? - ele falou no intervalo de uma tragada, largando fumaça pelo nariz. Não respondi. Deixei que minha arrogância resignada fosse a resposta à pergunta óbvia, enquanto ainda lutava com um alicate nas mãos. Não falamos mais nada, e ele, demonstrando impaciência, se afastou alguns metros para mijar em um canto. Olhava em volta, impaciente, como se a qualquer segundo fosse aparecer alguém. E talvez realmente fosse aparecer alguém. Busquei em mim uma força saída toda do meu desgosto de estar sendo derrotado por um objeto inanimado e, finalmente, com uma onomatopéia abafada e metálica, os elos se romperam ante o poder de minha teimosia.
Rapidamente, em meio a sorrisos de satisfação mútua e dois tapinhas de aprovação que retumbaram em meu ombro, pegamos as mochilas que estavam escoradas no muro e adentramos o pátio do casarão. Não haviam cães, eu sabia. Não havia ninguém. Eu queria aquele lugar há um bom tempo... o suficiente para saber, ao menos, que os donos não apareciam frequentemente. Gente rica e suas casas de veraneio. Mato alto nos cercava, dando evidências para minha teoria, indicando todo o descaso do mundo. Chegamos ao meio do terreno, e parecia que algo me invocava com pressa para o interior. Fitamos a enorme construção branca e descascada e, depois de breve exame, achei a janela de tábuas pregadas que seria nosso portal aos salões do triunfo.
- Pé-de-cabra - falei, esticando a mão sem desviar os olhos, como se fosse um cirurgião compenetrado, e fui logo atendido por meu solícito ajudante. Tábuas com pregos enferrujados não poderiam me deter, não depois daquela maldita corrente ter sido rompida. Comecei a cirurgia.
- Porra, você demorou nessa! Pensei que a gente não ia entrar nunca. O que tinha naquela merda, titânio? - Rio, nervoso e empolgado.
- A gente tá dentro, não? - respondi, ríspido. Ele me olhou, descrente.
- Qualé teu problema, meu? Que é que deu em você hoje, hein? - Arranquei a última tábua e, suspirando profundo, olhei para cima e resolvi me desculpar:
- Olha, cara... foi mal. Eu tô me sentindo tenso, sei lá... Só vamos entrar e fazer essa porcaria logo, tá certo? - nos encaramos longamente, olhos nos olhos, como homens, com os maxilares rijos. Concordamos sem mais palavras.
Ele foi o primeiro a entrar, no escuro total, tateando se medo. Fiz desse ato uma espécie de cortesia banal, enquanto catava na minha mochila a lanterna que havia roubado do meu pai. Um forte cheiro de mofo e solidão se fazia presente. Clic. Luz. Vi refugos de tijolos quebrados, madeiras úmidas esverdeadas e latas de tinta velhas e manchadas, enquanto pulava também a janela. Ouvia, dentro do recinto, o barulho dos entulhos sendo pisados, mas só de relance avistava o vulto de meu companheiro de invasão. Os tijolos e latas, pelo visto, me interessavam mais naquele momento. Fucei, acocorado, em uma pilha de lixo que me chamou atenção.
-Ei... me dá luz aqui... acho que encontrei uma boa - ele falou. Demorei pra responder, ainda hipnotizado por um telefone velho que descobri em meio a tudo aquilo - Ei, seu puto! Me dá essa merda de luz aqui! - gritou mais alto. Alto o bastante para que eu temesse sermos descobertos. Foquei o lugar onde ele estava. Vi seu rosto enrrugado de raiva projetando, em uma grande parede branca atrás dele, uma sombra enorme. Um calafrio estranhíssimo abalou meu corpo.
- É... essa vai servir - respondi, encenando descaso. Ele, novamente empolgado, como se não se lembrasse mais da tensão palpável entre nós, girou nos calcanhares e sacou uma lata de spray da mochila. Em poucos segundos, começou a grafitar. Acompanhei, pegando meus sprays também, afinal, foi pra isso que nós tinhamos vindo.
As explosões de cores substiuiram as explosões de ego, de forma que duas horas depois já estavamos completamente relaxados, jogando conversa fora e finalizando nossas pequenas obras de arte enquanto fumavamos um baseado grande. Ele desenhou um rapper cabeçudo qualquer, enquanto eu me contentei com um coração bastante elaborado, amarelo, com minha assinatura no meio, indecifrável aos leigos. Iriamos ganhar fama por aquela ousadia... as coisas sempre vinham à tona nas cidades pequenas, e a galera toda da rua iria logo saber quem fez aquilo. Conheciam nosso traço, nós éramos bons.
Finalizada a concepção, era hora de ir embora, tão soturnos quanto chegamos. Antes, todavia, era de praxe que fotografássemos o desenho. Me preparei, pegando da pequena bolsa externa da minha mochila uma câmera burguesa. Mirei, pressionei o gatilho de leve, só para ajustar o foco e, um segundo ou dois depois, espalhei pelo ambiente o clarão rápido do poderoso flash.
- Deixa eu ver como ficou, bundão! - exclamou, leve, risonho, meu bom amigo. - Pera aí, caraca... - respondi, também leviano, chapado, tentando me equilibrar depois do soco amigável que levei no braço direito. O botão do menu trouxe aos nossos olhos, conclusivo, o que pensamos que seria a foto de nosso vândalo e rebelde trabalho, mas o que vimos não foi senão uma figura terrível o suficiente para nos arrancar o ar dos pulmões: esguio e flutuante, a boca escancarada de agonia e os olhos vazados de morto, a mão direita erguida em nossa direção - um ente fantasmagórico e desprovido de cor apontava para nós com seus nodosos dedos longos.
- PUTA MERDA! - não sei qual de nós gritou.
 Acho que mijei nas calças. A câmera caiu no chão, disparando outro flash antagônico, e corremos para fora do lugar - tão rápidos e desesperados que sequer lembro onde foi que perdi de vista meu amigo...

sábado, junho 16


Oi, mato da manhã!
Alô, flor-feia do meu jardim!
Vê se a minha dor é vã,
Vê se vale a pena ter pena de mim.

Bem-te-vi amarelado de dor
(Como quem amarela de doença triste),
João-de-barro, incrível construtor,
Me contem se dormência igual a minha existe.

Quem me vê, acha o quê?
Quem me olha, o que diz?
Diz, pardalzinho flácido e covarde!

Será que meu cheiro causa alarde,
Será tão feio o meu nariz?
O que vê quem me vê?

Não sei ao certo como
Começar ou terminar
A tua poesia, Paula, pois
Nem ao menos és poética.
Teus olhos, teus quadris
Até tem gosto próprio.
De resto, és pobre...

Mas daria cinco anos
Da minha vida
Para desvendar
Teus
Veludos
Febris

(E é assim
Que se resume
A poesia).

Voo em fumaças efêmeras
Com asas grandes
– Grandes penas! –
Com olhos grandes.

Eu – transfigurado, coruja –
Com olhos de escuridão
(Com asas de neve suja)
Com garras de escuridão.

Eu, filho da lua maior,
Filho, eu, da lua negra,
Filho da noite e do pavor

Voo, voo acima do desamor
(Eu fujo, fujo à regra):
Eu vou com a lua onde for...

A manhã
– Ensolarada
E cheia de brisas –
Invadiu meu quarto
Hoje cedo,
Às escondidas.

Não sei como se achegou
Em meu leito,
Quando menos esperei
Foi: luz transfigurada!

(Como na vez
Em que dormiste
Em minha casa,
E teu sorriso
Foi o primeiro
Brilho do dia)

As horas
Que passei – sublimado,
Extasiado – à sombra
Do teu seio
(Maduro e doce como a manga
Que ferve rosada nos verdes),
Como esquecer?

Como ignorar a felicidade
Original de quem tenha experimentado
Uma vez dentro do próprio peito
A languidez morna e suada
De teus prazeres,
A maciez intraduzível do teu corpo,
O brilho incalculável do teu riso?

Me dizes que devo esquecer,
Mas como podem (as) andorinhas
Esquecerem do verão?

Faço de conta,
Às vezes,
Que tudo é coisa
Pequena,
Que tudo se escreve
Com letra minúscula
(Eu mesmo me escrevo
Com letra minúscula,
Na tentativa medíocre
De me aparentar em primeiro
Grau com erva ou faca ou tinta
Ou qualquer substantivo triste,
Muito embora também sirvam
Os substantivos existenciais:
Tem tempos,
Me sinto uma alcachofra
Ou um tule...

E não consigo parar de pensar
Quão lindo
Ser uma árvore).

Que tipo de doença
Tem sido o amor?
Não que por si ele tenha
Este atributo,
Mas sei
Que por ele
Muita gente emburrece.

O que eu não sei
É que amor que quero
Agora que me encontrei
Em mim mesmo...

Eu sou o cactus
Mais florido
Na margem
Do deserto,
Eu quero águas
Que me matem
A sede.

Nós,
Nos
Tempos
Dos
Não-vindos,
Flutuados
Aos pós
E aos
Acasos
Dos mundos,
Abandonados,
Magoados,
Reamados
E renascidos,
Éramos
Mais belos.
Assim, sérios
E ocupados,
Perdemos
Os tudos
E os todos
De nós
Mesmos...

Eu sou
Um lápis
Amarelo,
Eu não
Sou um
Lápis
Vermelho

– E acontece
Que lápis
Amarelos
Não colorem
Corações.

Pensar
Na morte
Me atordoa...
Inexistir,
Que grande
Anedota!

O conforto
Vem da ciência
Que diz
Que este
É o destino
Universal:

O nada
É o fardo
De tudo.

Não acredito
Em deus,
Por mais
Reconfortante
Que, bem sei,
Seria.
Algo em mim
(Há)
Que não
(Me)
Permite
Acreditar...

Pra ser
(Bem)
Sincero,
Prefiro
A luz
Das flores
E os cheiros
Da madrugada.

Não sei o que há
Em ti
Que eterniza
Tantos
Momentos.
Tu trazes
À tona
Tudo que
É estático
E belo
No mundo.
Teus olhos
Mesmerizaram
Deus,
Teus seios
São
O prefácio
Da inexistência...
Tua
Carne
Não
Tem
Gosto.

Escrever
Sobre
O silêncio
Da madrugada
É a única devoção
desta minha
Mão.

Vejo o mundo
– Vejo e tenho
Em mim choro
E esperança:
Minha sombra
Na parede do subúrbio
É a irrefutável
Prova
De minha existência.

Eu sou

Neste agosto
Seco
Que me cerca.

Surgiste
– Bela e adversa –
Como a chuva
Que só existe
Nos outonos
Mais arrogantes,
Muito embora,
Lara,
Teus cabelos
– Loucos teus
Cabelos, divinos
Teus cabelos –
Sejam o reflexo
Mais sagaz
Do mais sagaz
Dos verões.

Teus olhos
– Olhando –
Tem a cor
Do mar
Do meio
De março...

Desceu
Em meus céus
Uma escuridão
Que não
Há igual.

De onde vem?
Qual astro
Inoportuno
Tapa a esfera
Do meu sol?

É essa lua
Maldita?
(Flutua
A todo instante
Sobre minha
Cabeça
Sonhadora...)

A noite eterna
É o revés
Da vida.

Nuvem
Que sodomiza a lua,
Porque
Te quedas
Cinza
Se a pouco
(Eras)
Rubra?

Só mesmo
As nuvens
Morrem de
Vergonha...


Espero poder
Viver, espero
Não precisar
– Não – me suicidar
– Não! – Eu não
Preciso
Desta
Covardia...

Prefiro observar
As nuvens que correm
– Acinzentadas –
Para socorrer
O céu
Triste
E hemorrágico
(Como quem
Leva um tiro).

Às vezes
Tenho nojo
De tudo o que há
(E sei que há poeira
A me cobrir e
Sei que é
Feita da pele
E dos cabelos
Carcomidos
De toda essa gente
Que anda por aí
Me olhando feio
E apontando o dedo).
Eu me coço.
Eu me coço.

Quero estar
Bem longe de
Noventa e
Sete
Por cento
Da população mundial:
Isso tudo pode ser
Contagioso...

Em meus passeios escuros,
Munido do gorro contra o frio
E do fumo para a boca
Da imaginação,
Me deparo sempre
Com coisas magníficas
E silenciosas
- Deliciosamente
Pequenas e sem valor
A maioria dos outros
Olhos
Do mundo.

É isso que espero
De um amor:
Que saia para conhecer,
Comigo,
O valor do sereno,
Das flores
E das lesmas
Noturnas,
A vida – o cheiro –
Dos pequenos prazeres.

Há tanto de mim
Desencontrado
De meu corpo
Que – bem – já
Não – eu – sei
Se – lhe – sou...
O que foi, amor,
O que foi que tu
Fizeste de mim?
Até hoje
Inda sinto
Teu perfume
Pelas ruas
Bonitas
Da cidade.

Não gosto do barulho
Do dia.
Não gosto do dia
E seus inúmeros
Carros
E aviões
E pessoas
E cartazes.
O dia me agride...

É quando cai
A noite
Que tudo se revela
E a beleza nasce,
Enfim,
Do silêncio
(Madura
Como um fruto
Suicida).