domingo, outubro 28

19.10.2012

I

Sentando sobre o dia que tende
Tristemente entre o cinza e o azul
E a luz de um sol escondido de dor,
Imagino minhas pequenas razões,
Minhas ideias porcas e visões-limites
Que ditam um mundo como me convém
E me deixam feliz por ser e ser simplesmente.

Não, por favor, não!
Não queiram me convencer
Que não devo me sentir bem,
Que não posso me sentir bem,
Que sou a borda da matéria
Entre o que é realidade e o que
É o fim de tudo. Não queiram
Me comprar com populismos,
Me banalizar a alma sensível
Com barulhos e cores e festas
Infindas - onde anda a razão
Inocente e eficaz que esse mundo
Raso costumava ter? Eu sou um rio
De margens selvagens, águas turvas
Intransponíveis - Eu sou um rio vasto
E corro na direção que me apetece
E não há o que me detenha a vontade.

II

Eu sou um filho
Da natureza e não
Quero ser um filho
Da natureza, pois
Me sinto sozinho...
Mas como pode
Haver solidão viva
No útero materno?

Eu sou então, enegrecido,
Um carvalho de raízes tão fortes
Que se expõe como artérias no chão,
Um carvalho de tronco tão robusto
Que me imagino de prata e ferro
- E resisto a solidão do campo residente,
E resisto a solidão do sol e da chuva
E resisto a mesmice que é existir em tédio
Total e repetições e desilusões de não poder
Esperar nem mais um segundo: sou também
Uma chuva forte que deseja cair profunda
Como um orgasmo de águas e desejos
De tempestades, o sabor dos ventos altivos,
A cor poderosa de todos os trovões possíveis.

Eu sou um filho da natureza, uma imperfeição
Perfeita e cheia de ímpetos e sonhos de mim mesmo:
Onde esse egoísmo chamado destino inevitável
Vai me levar?

sábado, outubro 27

Ode tristíssimo de um dia chuvoso

I

Recoberto
De máscaras de prazer,
Entranhado, na verdade,
Em uma catatonia sentimental
Sem sentido, fujo do meu lar
Em uma tarde cinzenta
Galopando cavalos de vento.
O que é isso que me toma
E me força a olhar o chão enquanto
Ando nas ruas de pessoas apressadas?
O que é isso?
Não faço a barba por dias
E me refugio da dor no fato
De haverem cheiros e pelos
De humano em meu corpo:
Eu estou mudando de pele?


II

Encontro abrigo contra o clima
De mim mesmo em uma construção
Abandonada qualquer, e logo começa
A chover. Tenho fome. Uso drogas
De tristeza. Eu sou um abandonado
Qualquer: a quem recorrerei, senão
Ao deus que sou, quando o dilúvio começar?


III

A água que desceu
Do céu
Não desceu
Como água
Simplesmente:
Era um corpo
Único, horizonte
E firmamento,
Uma tonelada
De lágrimas
De deuses
Esquecidos.

Das abas do telhado
Do meu refúgio inacabado
Tamborilam gotas mais lentas
E mais grossas. Tenho sono.
Tenho sono e fome e a umidade
Parece me queimar. Fumo mais,
Esperançoso de acordar, mas a fumaça
Só sabe me fazer chorar os olhos.
Eu durmo, triste, e dormirei
Até alguma goteira
Me rachar a cabeça.


IV

Penso
Ter sonhado
Alguma vez
Com algo de pureza
Palpável,
Com perfumes apaziguadores
E estéticas completamente
Harmoniosas, mas quando tudo
Vai bem surge a dor como uma faca
Preta cravada no estômago.

Eu sou um tarado
Completamente desesperado
E nervoso e onipotente
Devorador do meu próprio
Sêmen - eu sou Cronos
Aborrecido em sua prisão
De memórias imortais.


V

Quando surgir a luz
Tudo estará mais claro,
Mas nada será óbvio:
É função da chuva
Limpar as mentes,
É função do sol
Cegar os olhos.

E a verdadeira
Ilusão, quem é
Que revela?

Perdi a vida
Procurando formas
Em nuvens.

quinta-feira, agosto 16

Não quero, meus amigos, cair na armadilha
Da repetição, da tecla inutilmente martelada,
Do esforço honesto, bruto e vão, mas acontece
Que é preciso dar ouvidos: eu sou tudo, eu sou!

Eu sou o sol enorme resplandecendo calorosamente,
Eu sou o poder emanado de todas as estrelas majestosas!
Eu sou o enterro do empresário preocupado, a festa
Garbosa de uma viúva que voltou a ter alegria,
O menino inocente que se masturba e se consome
Pensando em amores lhe foram ensinados
E que são falsos. Eu sou a terra se movendo brusca,
Eu sou o vulcão expelindo o fogo, mas não sou feito
De ódio, não, o ódio é ignorância, e ignorância
É imperfeição. Eu sou o perfeito, o diminuto
Enorme, o taxista que deseja retornar ao lar
Para se embriagar em tristezas destiladas.

Eu sou tudo, eu sou!
Eu sou tu, meu amigo,
E tu me és! Nossa consciência
É uma, como é um os milhões de mundos
Magníficos e exuberantes que criamos
Para nós mesmos! Eu sou a música, tu és a música,
Tudo é a música! Eu sou a sombra que apazígua
E guarda mistérios que um dia serão conhecidos,
Porque também os sou - o grão, a água, a ave simplória,
O solo germinando tudo o que um dia se chamará vida:
Eu sou!

Queiramos nós, amigos, o poder deste verbo sempre
Presente e completamente compreendido, pois somos
Oniscientes e espetaculares e poderosos e possíveis!
Queiramos o poder de querer, sobre todas as barreiras
Que nós mesmos tentamos nos impor! Eu sou!

Eu sou,
E não há
O que fuja
Dos meus olhos
Que veem a tudo.

terça-feira, agosto 14

Que poderoso
É esse sentimento
Que tenho trazido dentro
De mim desde o momento
Em que acordei para a vida que há,
Para a vida que sou - porque descobri
Que sou o mundo, e sou o mundo e o criador
Do mundo, porque descobri que o mundo não existe
Sem que eu exista, e que todas as coisas são a mesma coisa.

Que poderoso esse sentimento
Que é gosto de vinho e cheiro de mar,
E que é olhar as cores da existência, olhar o sol
Trespassando as nuvens como uma espada impiedosa
E ver que o céu está sangrando o meu sangue e a minha dor!
Que poderoso esse sentimento que é amor completo, que é riso
De amigos compartilhando bebidas e fumaças e pensamentos,
Que é tudo isso sobre o sereno, que é andar noite a dentro
Sem preocupações sobre quando nascerá o dia imaturo
Ou se haverá dinheiro ou haverá trabalho ou haverá
Comida... Que poderoso é existir simplesmente
Como um animal gastando a si mesmo
Em êxtases de simplicidade e gozo.
Alegria, meu coração,

Alegria! Nada pode dar errado
Pois que não existe o erro e nem sequer
Existe a imperfeição - tudo é o que é por ser
Simplesmente, como as flores que desabrocham
Não para que sintamos seu perfume, mas porque não
Sabem mais nada senão desabrochar, como os rios correndo
Porque não sabem andar lentamente. Como abelhas sendo abelhas
E cães sendo cães, sejamos nós humanos sendo humanos,
Completamente, simplesmente humanos, porque não há
Fragmentações entre nós e nós mesmos, e não há
Fragmentações entre nós e o resto, porque nós
É que somos o resto, e o resto é que nos é.

Alegria, meu coração,
Alegria! Porque tu és tudo,
Meu coração, e és, portanto, correto
Em todos os teus sentimentos e dores, porque
És correto, principalmente, quando te alegras! Alegria!
Porque a vida foi feita para ser vida, cheia de abismos escuros
Para que possamos entender a perfeição dos autos
Picos frescos, e cheia de alturas para que não
Desejemos a queda demasiadamente.

Alegria!
Que chegará
Um momento fatídico
Em que nada sentirás, coração,
Mas, até lá, é tua única
Obrigação real
Sentir muito
E nada
Mais.

sábado, agosto 11

Agosto,
Cheguei ao meio
De Agosto
E não me encontrei
- O que encontrei
Foi este estado estranho
Que não é negro nem branco,
Que não é doce ou salgado.
Encontrei foi este estado
Deplorável, no qual tenho
Náuseas de me encontrar,
No qual preciso me esforçar
Para escrever, no qual a sensibilidade
Não vem por si mesma, mas empurrada
Pela goela à baixo.

Passou Janeiro luminoso,
Fevereiro sensual e escandalizado,
Março de todas as redenções humanas,
Abril me apascentou o ser e glória
E Maio foi mês de bebedeiras
- E vieram Junho e Julho como irmãos
Que cometem incesto em uma tentativa
De se aquecerem, e Agosto caiu por cima
De mim como uma rocha maciça sem piedade,
Como um padre velhaco e retrógrado
Com o dedo em riste, balbuciando acusativo
Todos os meus pecados, como se ele mesmo
Fosse melhor do que eu.

Onde eu estou, onde? Há algo aqui que se perdeu,
Há algo aqui que sempre se perde, ciclicamente,
Como a marca das estações - solstício da minha vida,
Da minha vida de noites muito longas e dias
Que de tão curtos quase não existem,
E a minha essência sendo deflorada
E jogada na amargura do abandono.
Que polos são esses que se invertem sem aviso
Dentro da minha cabeça quando menos espero?

Não, Agosto, não, não tens gosto de nada!
Não és doce, muito menos salgado
- Porque nem lágrimas eu tenho que me salguem
A boca ou me inspirem sensações de ânsia e agonia,
Não tenho lágrimas de olhar a paisagem... estou estéril,
Estou desértico, seco e frio como as dunas sopradas de vento.
Estou morrendo, Agosto, em um eclipse não anunciado,
Em uma penumbra que não cede à luz nem à treva.

Porém me restará Setembro, e eu serei cinza morna...
E das brasas que se supunham apagadas, de mim mesmo
Renascerei aos poucos - como a fagulha que encontra
Madeira nova: eu ressurgirei! Estou certo que ressurgirei, Agosto!
Não serás tu a me extinguir, pois que eu sempre inflamo
De meus restos, eu sempre ressurjo das minhas próprias fuligens!
Haverá de emergir uma alvorada que me conduza
Ao equinócio que é fulgor pontual,

E o sol que eu sou voltará enorme em Dezembro desnudado,
Sim, até Dezembro nascerá novamente a juba que me tosaste,
Agosto, e estarei pronto para explodir de orgulho e virilidade
E gratidão de ter superado,
Não a ti,
Mas a mim mesmo.

quinta-feira, agosto 9

De uma maneira estranha
E inexplicavelmente impulsiva,
Vez ou outra me sinto
Um completo suicida
- Me corroem ímpetos
De voar, absurdamente
Desvairado, do décimo
Quarto andar ao chão.

Seria um voo rápido,
Um vislumbre mágico da cidade
Inteira, por um ou dois segundos,
Surgindo e crescendo
Dentro de meus olhos...

Mas algo me segura,
Ou eu mesmo me impeço:
Que fagulha de vida é esta
Que me força a esperar?
A morte é certa - porque
A pressa? Terei em mim
A terra fria quando for hora...

Há algo
Que me diz que me surpreenderei
Muito
Enquanto teimar em respirar.
E recolho minhas asas.

Soneto Cético

Alguém me trancou, por maldade,
Dentro de um sonho ruim
De tão bom! Dói, vida!
É no latejar da ferida

Que se sente o ímpeto doce
De viver. Tudo será perfeito,
Desde que eu sorria
Vinte e quatro horas por dia.

Vai passar! Cada momento,
Cara, beijo, suspiro, espreguiçar...
Vai passar... Até a vida

Vai passar... E eu, teórico,
Só sei me preocupar com aquilo
Que vem depois do calor da luz.