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sexta-feira, março 22

Três pensamentos sobre a tua geografia

A. Loise

I

Teu sorriso
Me toma inteiro
Sempre, e me abala,
E me constrange
E me estremece:
Teu sorriso
É um terremoto
E eu sou o templo
E o altar de mármore
Se desmoronando cálidos.

Teu sorriso
É o vulcão
Em erupção
No meio da madrugada,
Eu sou o vilarejo
Adormecido tomado
Pelo calor inabitável
Dos teus lábios incandescentes
De magma.

II

Teus seios
Desbravei com calma,
Como um andarilho
Alegre e despreocupado
Que se deixou à beira dos bosques
A beber sumos e observar
As colinas, e por observar
As colinas sutilmente possuiu
As colinas e toda a vida sublime
Das colinas suaves e mornas
Nas palmas das mãos:

Ah, que saudade!
Eu cheirei a flor tóxica
E perfumadíssima do teu ventre
Como um prado abandonado e belo
E me viciei para a vida
Toda.


III

Oásis,
Se a solidão
Humana é um deserto,
É o teu corpo, abundante,
Repleto de sombras amigas,
E minhas mãos todas são agora
Manadas de animais sedentos
Que são sutis e mansos
E viris:

Oásis é teu corpo,
E eu sou um touro coroado,
Couro negro sob o sol imenso,
Levando à boca aquilo que em ti
Me sacia e me sustenta,
Farejando nos teus pastos vastos
Oportunidades de abundância
E conforto enquanto durar
Essa vida rápida
E salvagem...

terça-feira, março 5

Dois pensamentos sobre a morte do Verão

I

A morte
Do Verão
É daquelas
Que não sabemos
Se é triste
Ou tardia
- Sabemos
Que a agonia
Do mormaço
Nos prados é,
Enfim, finda:

E toda a chuva
Do final de Fevereiro
É um choro constante
Lavando almas
E refrescando
Os corpos atônitos
À melancolia profunda
Do profundo silêncio
Dos funerais...


II

O carnaval
Já se foi
Com suas cores
- O que resta
Está coberto pelas cinzas
Da Quarta-Feira:

Sumiu meu amor,
Sumiu minha libido,
Sumiu meu estio
E o meu humor
- Toda a luz é nula
Quando se fecham
Os olhos que enxergam,
Quando se fecham
Os olhos do Verão...

E toda essa chuva
É um réquiem
Desafinado e úmido.

sexta-feira, fevereiro 1

Dois pensamentos sobre a furtividade

A. Loise

I

Tudo o que nos dão
Os deuses desprovidos
De consciência e de justiça,
Os deuses que não escolhem
E não tem opinião, os deuses,
Os deuses, Aline, que somos nós
E todos e tudo mais o que há
- Tudo o que nos dão
É mero acaso, é fraca imagem,
É ilusão: por isso que tudo aquilo
Que é roubado gentilmente
Tem o gosto mil vezes mais forte
Do que o regalo que nos ofertam
Com pureza. Por isso, insisto tentativas
De burlar teus olhos, de tomar despreparadas
Tuas mãos minúsculas, de achar baixa
A guarda de tua lâmina, de sorver
Teus beijos como lambidas leves,
Que o pássaro deflora a flor
Sem que esta o perceba:

Deixa eu te furtar com leveza e gozo,
Deixa eu te furtar antes que tu possas
Me impedir, deixa eu te possuir como
A noite possui as estrelas e as faz
Brilhar. Deixa - eu saltarei das sombras
Mais altas que houverem e te abocanharei
Como um gato larápio que apanha
Em pleno ar a pomba descuidada e linda.


II

Ando
Nas sombras
Na expectativa
De te ver sem que
Me vejas tu: sou
O furtivo, a miragem,
Te observo e te cuido
E te absorvo como
As pétalas daninhas
Absorvem em desespero
As umidades do mundo.

Agonizo
De sedes
Sobrenaturais,
E se há água
Que baste na vida
Ela se chama teu corpo.
Não posso dizer que meu corpo
Ferve, pois o calor demais
Entristece a matéria plausível.
Não. Meu corpo tem o calor
Exato da rigidez contida
Do lombo do touro, que não cabe
Dentro de si na potência
Que antecede a carne.

Meu corpo é uma estrela fogo-fátuo
Que se prepara à explosão
Numa elegância tão fria e clara
Que queima como queima
O olho de deus.

Eu sou a semente que quer
Se espalhar, eu sou a brisa
Noturna que convoca grilos
E o mar encantado que devora
A lua, eu sou raso e simples
Como é raso e simples todo
O universo:

Eu sou a luz
Que brilha
Por brilhar
Apenas.

sexta-feira, janeiro 25

Ode à vida animal e vegetal

É quando eu percebo que nada
Sei que percebo também
O quanto animal que eu sou,
E me constrange a minha fome
E a minha dor e o meu desejo.

Não posso com isso: ser humano
É apenas ter um nome e dar nome
Às coisas todas que rotulam os próprios
E os alheios pensamentos. Mas penso,
E se penso sou humano,
E me contradigo
E já não quero
Pensar, que pensar
É doença
Infrutífera.

Eu, um cavalo: equipo rédeas
Em mim mesmo.
Eu, um cão: me torno íntimo
Da focinheira da vontade
E do silêncio.
Eu, animal domado pelo chicote
Lindo da vida,
Já não temo nada.


II

Que lindas
As árvores
Que só vivem
Para os outros
Suas vidas vãs.

A árvore é o último
Estágio, é viver
Em cópula e romance
Com todos os deuses,
É ser abençoado
Infinitamente por gozar
Do sol e da chuva e da neve
Sem questionar; ser árvore
É ser simplesmente:

Todas
Árvores
São lindos
Budas.

sexta-feira, janeiro 18

Ode à saudade que não morre

Para A. L.

I

Eu me perdi
Na mata,
Eu me perdi
Quando procurava
Uma flor desfalecida
Para te presentear,
Quando levava a vida
Nos lábios que te pronunciavam
E sombras frescas na algibeira
E pés descalços por humildade,
Eu me perdi na mata
- Pois todas as flores ao sol
Tem o teu perfume morno,
Pois a terra tem o gosto
Da tua pele primordial
E os polens que flutuam
Sua a tua fertilidade:

Senti nas mãos
Tuas coxas úmidas
Quando toquei de leve
O rio.

II


Perdido
Na mata
Ouço tua voz
Que me chama
Por todos os lados
- És o canto de pássaros
Simplórios e o riso
Largo das corredeiras
E das cascatas. Perdido
(De mim mesmo) na mata,
Imprimo em toda e qualquer
Coisa a saudade
Que sinto: e todas árvores
São tua cintura quando as toco,
E teu seio é que repousa maduro
Nas frutas que pendem à minha
Boca e todas as pedras robustas
E esnobes que vejo são a tua
Teimosia transfigurada e com musgos
À beira dos caminhos.

E, no final, não existe rejeição real:
Não me podes negar teu corpo, pois
Que teu corpo é todas as coisas
Que aqui estão para minhas mãos
E meus lábios.

domingo, dezembro 9

30 de Novembro de 2012

I

Quero fugir
Deste planeta,
Quero fugir
E me encontrar,
Quero fugir
Como quem morreu.

Quero fugir:
Serei fantasma
Taciturno,
Tecido das sombras
Do vento
(E a única
Gaiola que há
É o medo).

Quero fugir, e quando quero,
Fujo: e quando eu fugir
Não me verão
Senão na saudade
Que causarei
Como um defunto
Causa.

terça-feira, dezembro 4

Ode aos Pastos

I

A vida,
Quando me encontro
Na natureza brutal do campo,
É tão mais simples, oh, cheiro
De bosta e pasto quente, oh,
Infindáveis moscas, mutucas,
Mosquitos e rãs, mormaço violento
Na barra do córrego, lama, grama,
Polens voadores que pousam em nós:

A vida,
Quando me encontro
Na natureza solitária,
Na natureza intocada,
Na natureza apática,
É tão mais simples...

A vida
Não passa
De repetição
Na natureza
Brutal do campo
- E a flor que colhi
Voltará à terra macia
Quando
Teus cabelos
Novamente
Não quiserem mais
Os meus regalos.


II

E assim eu vi a vida,
No despreparo da minha sabedoria,
Perdido entre árvores hostis,
Embrenhado em matos que arranham
A pele submissa, assim eu vi a vida:

Um peixe agonizando em minhas mãos,
Meus pés dentro do córrego
E toda a falta de coragem
Para devolver
Aquilo que à água
Pertence.

Um peixe apenas,
Um peixe que poderia
Ser eu, morrendo, sem ar,
Olhos estáticos de criatura
Inocente em minhas mãos...

E todos
Ao meu redor
- Inclusa tu, flores
Como uma coroa a te decorar -
Que nunca entenderiam
O que, exatamente, eu senti
Naquele momento
Eterno.

domingo, outubro 28

19.10.2012

I

Sentando sobre o dia que tende
Tristemente entre o cinza e o azul
E a luz de um sol escondido de dor,
Imagino minhas pequenas razões,
Minhas ideias porcas e visões-limites
Que ditam um mundo como me convém
E me deixam feliz por ser e ser simplesmente.

Não, por favor, não!
Não queiram me convencer
Que não devo me sentir bem,
Que não posso me sentir bem,
Que sou a borda da matéria
Entre o que é realidade e o que
É o fim de tudo. Não queiram
Me comprar com populismos,
Me banalizar a alma sensível
Com barulhos e cores e festas
Infindas - onde anda a razão
Inocente e eficaz que esse mundo
Raso costumava ter? Eu sou um rio
De margens selvagens, águas turvas
Intransponíveis - Eu sou um rio vasto
E corro na direção que me apetece
E não há o que me detenha a vontade.

II

Eu sou um filho
Da natureza e não
Quero ser um filho
Da natureza, pois
Me sinto sozinho...
Mas como pode
Haver solidão viva
No útero materno?

Eu sou então, enegrecido,
Um carvalho de raízes tão fortes
Que se expõe como artérias no chão,
Um carvalho de tronco tão robusto
Que me imagino de prata e ferro
- E resisto a solidão do campo residente,
E resisto a solidão do sol e da chuva
E resisto a mesmice que é existir em tédio
Total e repetições e desilusões de não poder
Esperar nem mais um segundo: sou também
Uma chuva forte que deseja cair profunda
Como um orgasmo de águas e desejos
De tempestades, o sabor dos ventos altivos,
A cor poderosa de todos os trovões possíveis.

Eu sou um filho da natureza, uma imperfeição
Perfeita e cheia de ímpetos e sonhos de mim mesmo:
Onde esse egoísmo chamado destino inevitável
Vai me levar?

sábado, agosto 11

Agosto,
Cheguei ao meio
De Agosto
E não me encontrei
- O que encontrei
Foi este estado estranho
Que não é negro nem branco,
Que não é doce ou salgado.
Encontrei foi este estado
Deplorável, no qual tenho
Náuseas de me encontrar,
No qual preciso me esforçar
Para escrever, no qual a sensibilidade
Não vem por si mesma, mas empurrada
Pela goela à baixo.

Passou Janeiro luminoso,
Fevereiro sensual e escandalizado,
Março de todas as redenções humanas,
Abril me apascentou o ser e glória
E Maio foi mês de bebedeiras
- E vieram Junho e Julho como irmãos
Que cometem incesto em uma tentativa
De se aquecerem, e Agosto caiu por cima
De mim como uma rocha maciça sem piedade,
Como um padre velhaco e retrógrado
Com o dedo em riste, balbuciando acusativo
Todos os meus pecados, como se ele mesmo
Fosse melhor do que eu.

Onde eu estou, onde? Há algo aqui que se perdeu,
Há algo aqui que sempre se perde, ciclicamente,
Como a marca das estações - solstício da minha vida,
Da minha vida de noites muito longas e dias
Que de tão curtos quase não existem,
E a minha essência sendo deflorada
E jogada na amargura do abandono.
Que polos são esses que se invertem sem aviso
Dentro da minha cabeça quando menos espero?

Não, Agosto, não, não tens gosto de nada!
Não és doce, muito menos salgado
- Porque nem lágrimas eu tenho que me salguem
A boca ou me inspirem sensações de ânsia e agonia,
Não tenho lágrimas de olhar a paisagem... estou estéril,
Estou desértico, seco e frio como as dunas sopradas de vento.
Estou morrendo, Agosto, em um eclipse não anunciado,
Em uma penumbra que não cede à luz nem à treva.

Porém me restará Setembro, e eu serei cinza morna...
E das brasas que se supunham apagadas, de mim mesmo
Renascerei aos poucos - como a fagulha que encontra
Madeira nova: eu ressurgirei! Estou certo que ressurgirei, Agosto!
Não serás tu a me extinguir, pois que eu sempre inflamo
De meus restos, eu sempre ressurjo das minhas próprias fuligens!
Haverá de emergir uma alvorada que me conduza
Ao equinócio que é fulgor pontual,

E o sol que eu sou voltará enorme em Dezembro desnudado,
Sim, até Dezembro nascerá novamente a juba que me tosaste,
Agosto, e estarei pronto para explodir de orgulho e virilidade
E gratidão de ter superado,
Não a ti,
Mas a mim mesmo.

sexta-feira, julho 20

Alvejado por ventos crispados
De chuvas monótonas e vazias,
Luzes de cores de outono
Debruçadas numa janela qualquer,
Vislumbro um céu que já não é
O mesmo céu que havia
Segundos atrás.

O que se perdeu de meus olhos
Atentos, se a estética dessa unidade
Que é firmamento e nuvens,
Águas marítimas e planície abandonada
Já não me diz tanto quanto me dizia
Antes? O cinza que tomou todo o espaço
É o cinza que cuspi de dentro do peito,
Pois há desespero na paisagem
Tanto quanto há desespero em mim
- E ambos mudos, como quando a mínima
Vibração seria capaz de causar
Um desmoronamento de proporções
Catastróficas, como quando a palavra
Exita com medo de que tremam os lábios
Ou soluce a essência que em nós pensa...

O que se perdeu, afinal, se perdeu de meus olhos?
Onde se escondeu a ternura que era sol imenso
De minutos passados e perfumes quentes?
Ah, sempre a mesma mania, esteja eu na varanda
Fresca ou no porão mofado, esteja inutilmente sozinho
Ou acompanhado dos inúteis:
É a mim que pertence a culpa,
É minha a fuga e o modelo de toda agonia
Que se pinta na paisagem pouco expressiva.

Ramagens frias, ocaso de pouco calor, vaga
E falsa simplicidade das flores que teimam
Em me sensibilizar arqueadas ao vento:
Que verbo de poesia úmida
Materializou tanta beleza e tanta crueldade,
Que esta enorme e impotente simetria
Não cansa de me torturar?

De nada eu participo,
E o tédio é a única natureza
(Morta)
A ser vislumbrada
Desta janela.