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quinta-feira, abril 4

Dois pensamentos de amor em uma manhã silenciosa

A. Loise

I

Acordei
Bastante cedo
No dia de hoje.
Acordei como quem
Vê um clarão de luz
E não pode distinguir
Outras formas, pois
A claridade inunda tudo
E se ocupa de todos
Os espaços:

Acordei num salto,
Entre suspiros,
Fugido de um sonho bonito,
Jogado de volta ao meu corpo
Para me perceber meditando
Teu nome desde a primeira
Consciência do dia...

Alguns romantismos me são naturais
E  imutáveis e minha razão não é do tipo
Que costuma gerar lucros...


II

Te penso
Incessantemente,
Numa fixação absurda,
Maníaca, que me arrebenta
De dentro pra fora:

Te penso, mas nada
Te sei. Não me foi dado
Sequer saber de mim,
Que sei eu dos outros
E do mundo dos outros?

Sei o que minha alma
Sensibilíssima sente,
E o que ela sente quando
Te farejo perto é o ápice
Do gozo, é tudo o que preciso
Saber e me interessa - que tu
Sejas a sem passado: que tu
Sejas minha e minha melhor
Criação.

quinta-feira, março 7

Dois pensamentos solitários

I

Há um algo estranho, bem faz uns dois ou três
Ou quatro dias, que me vem oprimindo misteriosamente,
Que me vem moendo os ossos aos pouquinhos,
Que me coça e eu nem sei aonde, que me perco
Sem nem sair do meu lugar:

Há algo muito estranho, é verdade, nessa sensação
Estranha de se sentir sozinho, de ser humano e estar nu
Diante dos olhos estrábicos do destino e da vontade,
Na boca morta do épico ou no canto morto do medíocre,
Na previsão da morte que virá, que virá certamente
Certeira, com certeza, que virá para todos nós
Como um tiro dado no escuro, como uma onda imensa
Que arrebata a areia e os castelos esquecidos na orla
- E eu sou uma criança perdida num dia arejado e dourado de sol
Brincando deveras na beira do mar, criando covas nas dunas molhadas,
Enterrando conchas como se fossem lembranças,
Olhando nuvens como quem se separou
Do tudo.


II

Se eu me separei de tudo, do todo, do cosmo ou
Seja lá como quero chamar essa coisa da qual sinto
Saudade e não sei explicar: tenha um nome ou não
Sei que um pedaço de mim não está em mim,
Ou talvez eu seja um caco pequeno
Que sente falta de um corpo maior,
Que se oprime por ser consciente
De tudo isso, de que há tragédia
E comédia e outras sutilezas
Em ser humano

- Que a solidão é verbo,
E toda a vida que nasce
Tem uma irmã gêmea
Chamada morte.

sexta-feira, janeiro 18

Ode à saudade que não morre

Para A. L.

I

Eu me perdi
Na mata,
Eu me perdi
Quando procurava
Uma flor desfalecida
Para te presentear,
Quando levava a vida
Nos lábios que te pronunciavam
E sombras frescas na algibeira
E pés descalços por humildade,
Eu me perdi na mata
- Pois todas as flores ao sol
Tem o teu perfume morno,
Pois a terra tem o gosto
Da tua pele primordial
E os polens que flutuam
Sua a tua fertilidade:

Senti nas mãos
Tuas coxas úmidas
Quando toquei de leve
O rio.

II


Perdido
Na mata
Ouço tua voz
Que me chama
Por todos os lados
- És o canto de pássaros
Simplórios e o riso
Largo das corredeiras
E das cascatas. Perdido
(De mim mesmo) na mata,
Imprimo em toda e qualquer
Coisa a saudade
Que sinto: e todas árvores
São tua cintura quando as toco,
E teu seio é que repousa maduro
Nas frutas que pendem à minha
Boca e todas as pedras robustas
E esnobes que vejo são a tua
Teimosia transfigurada e com musgos
À beira dos caminhos.

E, no final, não existe rejeição real:
Não me podes negar teu corpo, pois
Que teu corpo é todas as coisas
Que aqui estão para minhas mãos
E meus lábios.

sexta-feira, julho 27


Minha agonia
É não entender:
Não sei o que se passa,
Como se agregam as partículas
De existir, como se disseminam
A burrice e o extremismo nesse mundo.
Minha agonia é ver que todos são crianças,
E que poucos homens abrem de fato os olhos
Para tudo isso que nos cerca e que só pode ser
Um teste. Ah, se isso não for um teste de um deus
Ou de uma máquina ou de uma loucura qualquer,
Que tristeza, que tristeza seria haver consciência!

Ah, vontade enorme do meu ser, sobrepujai tudo isso,
Como a onda enorme que invade as terras secas em fúria,
Como a onda enorme que virá para destruir tudo e possibilitar
Recomeço! A enorme onda que afogará de vez todas as mágoas e crises
Para que renasçamos em outras frequências e, ao menos, busquemos algo
De pureza, sabedoria e amor. Façamos disso um sentido, no recomeço...

Ah, vontade que é o único deus e que é o deus de poucos, pois poucos
Entendem, me mostra a tua verdadeira face, a tua multiplicidade verdadeira
Sancionada em êxtases e memórias de prazeres inabaláveis, me mostra a tua
Face coroada de esplendores instintivos e inerentes à raça humana, me mostra
A face da besta e o deleite de ser um animal e servir somente às vontades naturais!
E façamos disso um sentido, no recomeço... E da compreensão e da busca eterna por compreender
Façamos um emblema que será exibido aos míseros como um exemplo e um convite magistral,
E todo aquele que quiser crescer, crescerá.

Ah, vontade, Me consuma! Me consuma em teu serviço atroz! Queime o meu corpo
Na fogueira das liberdades maduríssimas e conscientes de si mesmas,
Entalhe a minha alma nas oficinas de artes sublimes e de segredos necessários,
sobre as mesas dos mestres e sob os olhos dos discípulos,
E me deixe ser um exemplo de humildade enquanto és o exemplo
De toda a misericórdia que há:

Me consuma
Até a ruina,
Que desmoronarei
Impiedosamente silencioso
Sobre o chão do destino que é meu,
E me dissolverei em líquidos felizes,
Gigantescamente felizes e conformados,
Para depois evaporar e voltar ao centro
Do corpo curvado
Do céu estrelado
Que é minha casa.

domingo, julho 22

A saudade
Que sinto
Do teu corpo é a felicidade atônita
De quem não conhece o gosto,
Mas
Se apaixona cruelmente
Pelo paladar primeiro que invade
As papilas da mente.
A saudade que sinto do teu corpo
É a ausência dos ventos na primavera,
A ociosidade dos polens que flutuam leves
Em fertilizações deveras despreocupadas
Na luz de um sol morno e indigente.

A saudade que sinto
É uma coisa qualquer que rasga
A pele pedante,
É a falta das obscenidades
Inocentes que só são corretas
Na tua carne fresca e pálida,
O desespero desencontrado
Da matéria que ferve e anseia
Penetrar mais profundo no âmago
De outra matéria - a saudade
Que sinto do teu corpo
É saudade de ser uno com tudo!

É a incompetência das almas
Que não se completam, mas
Se esvaziam por um instante
De si mesmas e de tudo ao redor,
No esforço divino de preencher
O outro ser em amores bruscos
E gemidos improvisados.
É o mistério cínico
Do desejo que não
É absoluto, mas imensidão...
Ah, minha saudade é um universo!

A saudade que sinto do teu corpo
É tudo o que tenho, é tudo o que sou.
A saudade que sinto do teu corpo
É a saudade que sinto de mim mesmo
E de todas as outras coisas que não conheci
- Pois que não sei quem és e não sei se sou...

O que sei é que a saudade que sinto do teu corpo
É a labuta mais bela de todas, é a arte! É a vida!
A saudade que sinto
É uma paz que vem
Da dignidade imensurável
De me sentir em ti, como um todo,
Completo:
A saudade
- Que sinto
E não nego -
É a vontade
De ser estrela
E queimar alto
Noite a dentro,
Dia a fora...