domingo, junho 23

Elegia de um bêbado ferido

Consciência absurda
De haver luz e matéria
No possível caminho:
Anseias por algo que não
Existe senão na tua doce
Capacidade de sonhar!
E te arrastas por ruas
Inimigas, seguido por sombras,
Lacaio e carrasco de ti mesmo,
Trôpego, atrativo ao olhar infame
Dos zombeteiros de plantão. Ai!
Ai, criatura solitária, onde foi que
Te machucaram com violências
Desnecessárias para que manques
Qual um aleijado de nascença?

Bem se vê que estás ferido, manchado
De sangue teu fato, respingado de urina
Teus sapatos de pobre. Nada é útil nesta
Rotina incessante que só pode acabar
Em morte, pois que a morte é o final
De todas as coisas: por isso é que bebes
Todas as bebidas entontecedoras do mundo
Com a voracidade de um rapaz virgem
Nas tetas de uma prostituta velha e má.
Estás bêbado! Bêbado de ti mesmo
Enquanto caminhas por estas ruas
Inimigas, enquanto tateias os bolsos
À procura do maço de cigarros amassado
Que já fumaste todo, mas não te lembras.

Bem se vê! Estás realmente ferido! Ai!
Levaste uma facada impiedosa e legítima
E do ferimento cruel jorrou purabebedeira!
Ai, as expectativas te traíram em um beco escuro
E com uma lâmina de fio preparado foi degolado
O teu futuro, todavia ainda assim tu vagas pelo mundo
Como quem esteve em uma festa até o sol raiar
E pretende voltar pra casa enquanto é guiado
Pela embriaguez de pés que dançaram a noite toda
E agora estão cansados, muito cansados e não sabem
Ao certo qual o caminho que devem seguir por seguir...

Estás ferido, mas deixe estar! Caminha o quanto podes,
Queima o todo de ti que a tua ainda hemorrágica persistência
Permitir, esgasse o mundo à força para encaixar todas as peças:
Só não morra antes da hora, caminhe! Quando o momento chegar
Sem mistério ou dificuldade, acharás um canto qualquer no espaço
Onde te deitarás enfim e deixarás, exausto, que as coisas se ajustem
Por elas próprias.

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